sábado, 31 de dezembro de 2011

Conversas Cartomânticas: Doraci Reis e o Pajem de Paus



Olá pessoal. Conheci a Doraci Reis na Confraria Brasileira de Tarot. Foi identificação imediata, carinho recíproco garantido por mais de uma vida, com aquela certeza que é própria das coisas que não precisam de muitos questionamentos. Tanto que nos vimos e vemos como mãe e filho - representação de um carinho verdadeiro. E cá está ela falando do Valete de Paus, de forma magistralmente cotidiana. É no livro que se aprende a teoria, mas é no cotidiano que se aprende a prática. Aprendamos com ela.
E, para aqueles que gostarem do texto, Doraci possui um blog, Sob o Poder do Iníquo, onde apresenta seu cotidiano pelas cartas (ou as cartas através do seu cotidiano?) Recomendo.

Valete de Paus
Marseille Grimauld

Valetes eram aprendizes/ajudantes de cavaleiros, admitidos nesta função ainda crianças, assim como os pajens (sendo que estes vinham da nobreza). Como um jovem inexperiente e com a energia ígnea do naipe de Paus, este valete não é muito delicado e cerimonioso, mas é confiável e muito fiel aos seus ideais. Seu olhar é firme e direcionado para adiante, ele está sempre querendo ir além. Acredito que de todos os valetes, ele é o mais idealista.

Valete de Paus
Visconti Sforza (US Games)

Vivenciá-lo é ter aquela idéia original, é começar a ter confiança na própria capacidade de iniciar e criar algo, podendo surgir daí grandes feitos. Só que, por outro lado, como esta idéia ainda não está bem elaborada, corre-se também o risco de ficar numa inquietação só, daí a pouco surgem outras idéias complementares (ou totalmente diferentes e extravagantes) e no final podemos não desenvolver nada. 

Valete de Paus
Ancient Tarot of Lombardy
Interessantíssima o posicionamento do Pajem,
de costas para o observador/leitor.

Encontrar um Valete de Paus é entrar em contato com alguém bem jovem e/ou que está começando a acreditar em si mesmo, no seu potencial e tem todo o gás para empregar nos seus propósitos. Muitas vezes o Valete de Paus pode surgir pra te ajudar num projeto, num processo criativo, como uma pessoa que acredita em você e é leal às suas idéias. Pode acontecer também deste valete não surgir como uma pessoa, mas como um acontecimento inesperado que o faz ter que agir rápido, como um simples convite para uma festa que você nem fazia idéia, ou uma entrevista de emprego que é uma oportunidade em um milhão mas que você tem que estar lá em 2 horas... Esta excitação toda pode soar interessante num primeiro momento, mas também vem uma carga de estresse com toda essa agitação se não soubermos lidar.

Valete de Paus
Ancient Italian

E o que acho mais legal neste Valete, vivenciando-o ou enxergando-o em outra pessoa, é a capacidade de ir em frente encarando a vida ao sabor de aventura! 

Princesa de Paus
Thoth Tarot

Nota do editor: Em alguns baralhos, como o Thoth Tarot, os Pajens são substituídos pelas Princesas. Existem diversas possibilidades de análise dessa perspectiva; porém, em última instância, aplica-se tanto às Princesas quanto aos Pajens os mesmos significados propostos.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Conversas Cartomânticas sobre a Mega Sena da Virada na EPTV.com

Sete de Ouros
Medieval Scapini

Olá pessoal. A menos de trinta horas do ano novo, fui convidado pela equipe da EPTV.com para expor minha opinião a respeito de uma questão polêmica: é possível prever números da Mega Sena através da Cartomancia?
Se há alguém que acredite nisso, não foi na minha mesa que encontrou auxílio para satisfazer seu desejo. 

Dez de Ouros
Caligostro

Eu já havia me questionado a esse respeito na série desenvolvida no Clube do Tarô os Vícios e a Cartomancia: o vício do jogo (veja aqui). E agora, às vésperas do sorteio da Mega Sena da Virada, variamos sobre o mesmo tema. 


Baixe o Adobe Flash Player



Abraços a todos e um excelente 2012. Tornando-se milionário, ou não :)

sábado, 24 de dezembro de 2011

Conversas Cartomânticas: Regina Guigou e a influência do Cavaleiro de Paus

Uma das melhores coisas da Blogagem Coletiva, talvez sua única e verdadeira justificativa, é poder conhecer o trabalho de pessoas com as quais pude travar contato. Nem todas, infelizmente, pude conhecer pessoalmente, ainda; mas nem por isso a admiração deixa de crescer. E fica aqui meu prévio agradecimento e admiração pelo deleite que vocês terão nas próximas linhas. 
Com vocês, Regina Guigou e o Cavaleiro de Paus.
Contato com a autora: Universus Guigou


Vivenciando a influência.

Cavaleiro de Paus
Sharman-Caselli

Sinto-me cheia de energia e ate um pouco impaciente.  Eu sou o Cavaleiro de Paus! Empunho minha lança em busca de novas aventuras. Correr risco é o que quero e não cabe aqui paciência. 
Estou sempre em busca de novidades. Criatividade, a imaginação e a inspiração impulsionam a minha curiosidade que sempre dão um novo frescor aos meus dias.  E nessa busca pela novidade, por novos objetivos percebo que vou deixando para trás uma infinidade de obras incompletas.  E assim vou vivendo em busca de algo que traga um novo sopro. 
É o Arcano de motivação criativa, entusiasmado e de afetividade expansiva. É o fogo em sua exuberância. 

Cavaleiro de Paus
Vice-Versa

Quem vive a influência do Cavaleiro de Paus esta em busca de reconhecimento, de brilhantismo pessoal, passando a se expressar de forma imponente, altiva, dramática. Faz tudo com a motivação do coração, espontaneidade que se lança sem medo para vida e desafios. 
Desafiar o ambiente externo é algo que a pessoa faz com coragem, curvado à paixão de realizar seu próprio destino. É o momento de florescer, frutificar, criar.
Existem aqueles que vestem a mascara deste arcano. Esta pessoa se apresenta como que se estivesse em movimento e constantemente buscando novos desafios. Para ele é uma forma de interagir com os outros, de ser reconhecido pelas suas qualidades ígneas. Muitas vezes acabam por mostrar o lado sombrio do Cavaleiro de Paus sendo inconstante, manipulador e superficial.

Cavaleiro de Paus
Mystic Dreamer

Como é encontrar com alguém com as características de um Cavaleiro de Paus
Temperamento ardente e apaixonado. Carismático o Cavaleiro de Paus se move pela vida como um adolescente. Seu jeito meio inconsequente que parece não saber aonde quer chegar.  Ele vai te sacudir porque, também, a instabilidade e a indecisão o acompanha.
Esse Cavaleiro é orgulhoso demais para ficar remoendo os infortúnios da vida, que encara como um acidente de percurso. Sua falta de objetividade é do mesmo tamanho que seu otimismo. 
Portanto, ame-o ou deixe-o.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

O Tarô Thoth Crowley-Harris

Esse é um dos baralhos mais importantes elaborados na história do Tarô. Tanto que, ao lado dos clássicos (inspirados na iconografia do Tarô de Marseille) e do Rider Waite-Smith, não deveria faltar em nenhuma coleção que se preze. Este baralho é o fruto do trabalho conjunto de Alexander Edward Crowley, conhecido como Aleister Crowley (1875-1947), e pintado artisticamente por Lady Marguerit Frieda Harris, née Bloxon, ou apenas Lady Frieda Harris (1877-1962). Inicialmente um projeto para três meses, durou cinco anos, entre 1938 e 1943 (fonte). A ideia de Crowley era desenvolver um oráculo de ares medievais, mas Lady Harris convenceu-o a dar o ar impressionista/surrealista ímpar que possui. 

Aleister Crowley

A sombra do idealizador, por vezes, macula o que é um oráculo belíssimo. O nome de Aleister Crowley é elevado às alturas por uns, lançado às profundezas por outros, mas não pode ser ignorado nem por seus adoradores, nem por seus depreciadores. E, apesar dos escritos polêmicos, da discórdia com membros de outras ordens esotéricas, se podemos citar algo com que Crowley trabalhou na elaboração do conceito de cada um dos Arcanos, esse algo é pureza. Buscando ao máximo retificar o que considerava inadequado no oráculo de acordo com suas práticas, temos desde o padrão de cores até os elementos subentendidos nas lâminas, devidamente descritos no Livro de Thoth, que, se estudados com afinco, darão, passo a passo, novos níveis de leitura para as mesmas lâminas com aquela sensação de “por que que eu não vi isso antes??? Esteve o tempo todo aqui e eu não vi!!!”
Jogar esse Tarô é uma grata surpresa. Sempre.
Meu primeiro contato com esse baralho se deu por influência de Silvia Theberge e, ao transcrever a fala dela, há mais de dez anos ecoando na minha cabeça, espero que seja tão tranqüilizante para você quanto foi para mim. Esqueça o autor, concentre-se no oráculo. Foi o que fiz, e não me arrependo. Hoje me sinto muito confortável com a literatura thelemita, mas quando comecei, com toda a minha formação tradicionalista cristã, foi um alívio ver o baralho dessa forma. Mais divertido foi descobrir, depois, que esse baralho não tem nada de anticristo ou coisas afins. O medo decorre da ignorância e, passada a ignorância sobre esse baralho, só sobra o deleite.
Tratando-se do Thoth, tomamos, mesmo que inconscientemente, o mesmo padrão dos leitores dos escritos de Crowley: você pode detestá-lo, ou apaixonar-se perdidamente por ele. É impossível ignorá-lo. É um baralho provocativo, pleno, intenso, com níveis de leitura que beiram as aguadas de uma aquarela – não se sabe onde termina uma pincelada/previsão e onde começa outra, ainda que delineiem-se perfeitamente distintas.

A Estrela
Nuit, a Senhora do Céu Estrelado
Thoth Crowley-Harris

Esse baralho possui algumas diferenças em relação ao modelo clássico. Seu próprio título, Livro de Thoth, remete aos Mistérios Egípcios e a Etteilla, que o antecedeu na escolha do epíteto para seu próprio baralho. Mas a iconografia evocativa dos elementos da mitologia egípcia (como Osíris n’A Morte e Nuit n’A Estrela) justifica e referencia seu uso. 

Arte
Thoth Crowley-Harris

Nos Arcanos Maiores, quatro cartas tiveram seus nomes alterados: a Justiça (Arcano VIII) torna-se Ajustamento; a Força (Arcano XI), torna-se Luxúria, também traduzido como Tesão ou Volúpia (no original em inglês, Lust); a Temperança torna-se Arte; e o Julgamento torna-se Æon. Tais alterações nominais não alteram a interpretação iconográfica, adequando, contudo, as lâminas às ideias do Mago. 

Thoth Crowley-Harris

Na Corte, a figura do Rei dá lugar ao Cavaleiro, o Cavaleiro clássico dá lugar ao Príncipe e os Pajens dão lugar às Princesas. Vê-se aí a ideia matrifocal tomando o lugar do patriarcalismo, já que a figura de maior poder não é mais o Rei, mas a Rainha, a quem o Cavaleiro deve sua honra e serviços.

Três de Copas
Abundância
Mercúrio em Câncer
Thoth Crowley-Harris

Nas Cartas Numeradas, temos a referência na própria iconografia ao decanato proposto para cada uma das cartas, além de um título impresso, que guia nossa interpretação num primeiro momento. Tais títulos são tão precisos que influenciam o desenvolvimento de novos baralhos até hoje.  

Repare na tarja do Purple Box, à direita, embaixo. Nela diz: "Includes
3 versions of the Magus card"

Disponível em diversas versões, temos, da US Games, a versão Green Box, que conta com 78 cartas grandes, a Purple Box, que conta com as 78 cartas médias mais os dois Magos dispensados por Crowley, e a Blue Box, que é uma versão pocket. As versões possuem livreto explicativo escrito por James Wasserman.

Os três Magos

Conforme artigo de Claudio Carvalho,

Existem ainda várias especulações sobre a feitura deles, algumas variam desde a lenda dos Três Reis Magos até as três linhas de magia, negra, branca e cinzenta. Contudo, alguns pesquisadores chegaram a conclusão que o arithmo 80 (78 + 2 Magus) tem uma profunda relação com a Deusa da Justiça e da Verdade, Maat que é o complemento de Thoth na mitologia egípcia e desta forma se revela um processo coerentemente arithmológico. 

Werner Ganser foi o responsável pela nova edição dos Três Magos. Em uma de suas visitas ao Instituto Warburg, Ganser constatou que havia três cartas referentes ao Mago, e que segundo ele próprio, poderiam ser duas peças a mais para colecionadores, deixando a escolha de qual o Mago a ser usado para o comprador.

Apesar de terem ganho um significado adicional com o tempo, essas cartas não são necessárias para o jogo, cabendo ao usuário utilizá-las ou não em função da sua iconografia ser ou não agradável ao manipulador.
Esse é um baralho para amantes do Tarô, para tarófilos. Talvez suas cores fortes impressionem além do esperado os iniciantes. Mas, superando o primeiro momento, é um baralho para se manter por perto por toda uma vida.

Mil e Uma Noites de Feitiçaria, Mil e Uma Noites de Cartomancia.


A princesa foi até o seu aposento, de onde trouxe uma faca com umas palavras em hebraico gravadas na lâmina. Em seguida, mandou que descêssemos o sultão, o chefe dos eunucos, o pequeno escravo e eu a um pátio secreto do palácio e lá, deixando-nos sob uma galeria, avançou para o meio do pátio, onde fez um grande círculo, dentro do qual traçou várias palavras em caracteres arábicos antigos e outros, chamados caracteres de Cleópatra.

Quando terminou de preparar o círculo da maneira pela qual desejava, deteve-se no centro, onde fez abjurações e recitou versículos do Alcorão. Sem que percebessem, o dia foi escurecendo, até que sobreveio, na aparência, a noite. Sentimo-nos dominados de extremo terror, aumentado ainda quando nos vimos de repente na frente do gênio, neto de Eblis, sob a forma de um leão de espantoso tamanho.

“50º noite” in As Mil e Uma Noites. Apresentação de Malba Tahan. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001, p. 157-158.

Quando li essa passagem, fiquei atônito e, ao mesmo tempo, extremamente grato. Diversos pontos ali apontados – a faca com caracteres hebraicos, o círculo preparado com caracteres específicos, as abjurações e a entoação de versículos de um livro sagrado – tudo isso aponta para uma estrutura de magia que bem conhecemos.
E não são as únicas citações.
As Mil e Uma Noites (Alf Lailah oua Lailah – "Mil Noites e uma Noite") é uma obra de referência para o conhecimento dos contos árabes. Formado por contos de amor e aventuras, viagens, lendas fantásticas, anedotas, lutas religiosas, parábolas, apólogos, fábulas, poemas e resolução de problemas, foi traduzido em 1704 por Antoine Galland, orientalista francês a quem devemos o acesso a essa obra, ainda que o mesmo tenha suprimido todas as partes da que considerasse menos edificantes, eliminando os episódios eróticos, contrários à moral cristã e as citações poéticas.




Foi essa a tradução escolhida para a edição da Ediouro, de 2001, em dois volumes. O professor Mamede Mustafa Jarouche produziu, por sua vez, uma edição em três volumes que resgata os aspectos “história para adultos” presentes nos manuscritos (confira a entrevista do professor aqui, e um excerto da obra aqui).

Particularmente – e sim, eu tenho um gosto sui generis por contos – eu gosto de ambas as versões.
Algo semelhante ocorreu com os contos europeus e os irmãos Grimm (quer ter uma experiência do gênero? Assista à Branca de Neve versão “contos infantis” e depois assista à Branca de Neve na Floresta Negra, de 1997). Então, não acho ruim termos duas versões. Crescemos lendo fairy tales e depois assistimos O Labirinto do Fauno, de 2006. E nos encantamos da mesma maneira. Ali estão os vilões, os mocinhos e os eventos que embalaram nosso sono e sonhos, em uma roupagem que está de acordo com a nossa idade. 
E a Arte é cheia de contos. Quando li Aradia: o Evangelho das Bruxas (Madras) pela primeira vez, o que mais me encantou, além, evidentemente, das conjurações, foi o aspecto emblemático dos contos. Ali reconhecemos o porquê de invocarmos nossa Senhora, pelos exemplos que obtemos na leitura.
Além disso, antes que a última lei contra a Bruxaria fosse revogada na Inglaterra, Gardner já havia publicado o “romance” Com o auxílio da Alta Magia (Madras). Nele, uma série de pontos posteriormente descritos tanto em livros do próprio quanto das gerações seguintes de Gardnerianos e dissidentes são citados e apontados em detalhes (aplicabilidade por sua conta e risco).
E voltamos cá às Mil e Uma Noites.
Não sei você, mas eu tenho predileção por contos, como disse anteriormente. São curtos, precisos, e pedem a leitura de sua continuação. Como Allan Poe, por exemplo – não dá para ler um conto só; quando se vê, o livro se foi todo e a ânsia por mais se estabeleceu. 
E, atualmente, com toda a interface que possuímos para acessarmos informação, creio que a comunicação pela fala tem sido a mais difícil. Entonação e digitação não combinam. Aprendemos a digitar trocentos caracteres por minuto, mas não aprendemos a nobre arte de traduzir intenções em letras e números. E nisso, a leitura é fundamental. Existem autores e obras que nos levam a rir, chorar, silenciarmos os desejos, ampliarmos nossa coragem. E a habilidade de incitar esses sentimentos é adquirida pelo exemplo previamente lido e pela prática constante. Escrever é uma arte.
Some-se a isso que o livro, como veículo material de ideias, possui um potencial simbólico que suplanta qualquer interface contemporânea. Evidentemente, daqui a uma ou duas gerações, poderemos ver o que digo cair por terra (levando-se em consideração que eu acredito em reencarnação e não sou bom o bastante para acreditar que essa é minha última).
E, n’As Mil e Uma Noites, temos esses dois aspectos correlacionados. A fala, a entonação, daquele que lê para aquele que escuta – ainda que estejam os dois papeis representados pela mesma pessoa em uma leitura silenciosa. 
Não só inspiradoras de comportamentos, mas também de imagens, as histórias d’As Mil e Uma Noites serviram de tema para uma série de ilustrações produzidas na década de 20 do século passado pelo orientalista francês Léon Carré (1878-1942), para a tradução da obra para o inglês elaborada por sir Richard Burton. 




Hoje temos acesso a um Tarô, homônimo, que nessas imagens encontrou inspiração e ilustração. Publicado e 2005 pela Lo Scarabeo, tive a honra de manipular o pertencente ao Carlos Karan, em julho; desde então, não tive outro desejo senão esse – adquirir um.
A maior reclamação que vi, referenciado pela internet, para este baralho, é a ausência de conexão entre imagem e significado a partir dos contos. Evidentemente, partimos do fato de que esse Tarô é uma adaptação de imagens pré-elaboradas com fim diverso daquele a que veio servir. Sugere-se, inclusive, que este baralho não faria sucesso justamente por essa lacuna, carecendo de um livro explicativo que ampliasse a percepção das correlações feitas para sua elaboração (temos algumas sugestões aqui). 
Estou lendo As Mil e Uma Noites justamente por isso.
Em breve, espero oferecer algumas correlações e interpretações para as cartas à partir da obra. Levando em consideração a funcionalidade original das imagens, sugiro, a quem possa, que consulte especificamente a tradução produzida por sir Richard Burton. Certamente insights brilharão diante dos seus olhos!
Existe outro Tarô dedicado às Mil e Uma Noites, produzido por Giacinto Gaudenzi (autor, entre outros, do Celtic Tarot e do Decameron Tarot, ambos Lo Scarabeo) com uma proposta mais erótica. Publicado em 1994, possui 99 cópias em preto e branco, tendo algumas, por volta de dez, sido coloridas à mão pelo artista. 
Voltando, contudo, ao que propõe esse artigo, este é um livro que não deveria faltar na biblioteca de nenhum Bruxo. Por conseguinte, este baralho também. Pois, como vemos na citação que abre o texto, existem pontos de convergência de pensamento entre a Bruxaria Moderna e a cultura islâmica que só obteríamos se lêssemos despidos de preconceitos – o que nem sempre ocorre.
Além disso, da correlação imagem – obtida no baralho/conto, obteremos uma fonte inesgotável de histórias para os pequenos: para nós, as cartas funcionarão como recurso mnemônico para elaborar a história, e, por vezes, ressignificá-la; para eles, ilustrações preciosas para seus sonhos e, caso seja o destino deles, os primeiros passos na cartomancia.

sábado, 17 de dezembro de 2011

Conversas Cartomânticas: Claudia Mello, a Rainha de Paus e seus múltiplos poderes



Olá pessoal. Uma longa história me liga à Claudia Mello, a nossa guia e acompanhante de hoje nessa viagem iconográfica. Há muito tempo, quando eu iniciava meu treinamento na Arte, eu liguei (escondido, óbvio; minha mão não deixaria eu fazer um interurbano para falar de bruxaria!) para a amiga de uma amiga. Falamos correndo, eu iria dar um jeito de ir para São Lourenço. Iria, do verbo: não dei jeito e o tempo passou.
Anos depois, encontro-me com esta "amiga de uma amiga", pelo Facebook. Dez anos haviam se passado e, entre uma ligação e um e-mail, todo um crescimento, toda uma apresentação de resultados. E de conversas virtuais até o nosso encontro no Fórum Nacional de Tarô, foi um pulo. E o encontro em si um dos mais emocionantes desse ano (par a par do meu encontro com a Pietra lá na Confraria Brasileira de Tarot).
E, entre almoço e carteado, optamos pelos dois. E cá estamos, seguindo nossos caminhos e nos encontrando sempre que podemos!
Claudia Mello mantém o blog Via Tarot que, diariamente, atualiza nosso conhecimento cartomântico com vivências do cotidiano correlacionadas às cartas do Tarô. Recomendo.
Todos os comentários sobre as diferentes cartas pertencem à Cláudia. E, particularmente, dá vontade de fazer isso com todas as cartas. Pegue seus baralhos, alinhe suas Rainhas e veja, e Veja.


Rainha de Paus, a poderosa sedutora.
Art Nouveau

Quando fui convidada pelo querido Manu para falar sobre a Rainha de Paus, confesso que fiz uma certa resistência. Tanto fiz, que pensei em falar sobre a Rainha de Espadas, já que venho vivenciando esse arquétipo há muito tempo. Mas acabei pedindo para falar sobre a Rainha de Copas, cujo elemento água é o mais desafiador nas minhas práticas mágicas e mundanas. Depois de tantas idas e vindas, negociando Rainhas, acabei percebendo que o meu desafio era, realmente, assumir a Rainha de Paus, que é minha por direito divino, apesar de eu ainda não compreender, plenamente, como ser sua representante neste mundo tridimensional.


Rainha de Paus, aquela que está plenamente
integrada à Natureza.
Universal Fantasy

Como é grande o desafio de se falar sobre o poder! Se pensarmos que o elemento fogo do naipe de Paus é associado à centelha divina que cada ser humano traz dentro de si e, portanto, podemos pensar que estamos falando de um poder divino expresso na matéria, o desafio aumenta. Mas, se pensarmos em transportar tudo isso para o aspecto feminino, então, meus caros, o desafio é gigantesco!


Rainha de Paus, aquela que é o espírito,
sutil como uma Fada.
Shadowscapes

Falar de poder feminino em um mundo cuja estrutura masculina vigora é quase revolucionário! E o naipe de Paus sempre me parece enigmático... Enquanto Copas são as emoções e sentimentos, Espadas são os pensamentos e a razão e Ouros são as questões físicas e financeiras, do que fala, exatamente, Paus? Reparem que ele tanto fala de espiritualidade como de iniciativa, impulso, criatividade, envolvendo tanto um aspecto mais sutil e elevado, quanto a ação em nosso mundo ordinário. Refletindo sobre tudo isso, agora, estou começando a compreender porque eu sempre vi o Rei de Paus como o mais poderoso dos reis: ele é o Rei divinizado, aquele que tem o sangue azul por ser descendente dos deuses.


Rainha de Paus, aquela que tem a autoridade e o poder
de intermediar a relação entre homens e deuses.
Ancestral Path

Bem, então, como em uma receita de bolo temos: uma Rainha, o elemento fogo, a centelha divina geradora de tudo que é vivo, o mundo espiritual e a ação na terceira dimensão. Já podemos começar nossa alquimia e perceber como manifestamos e lidamos com a manifestação alheia desta querida Rainha de Paus.
Nossa Rainha é uma mulher destemida, corajosa e poderosa, já que possui um reino, súditos e um Rei como companheiro. Sua forma de reinar é bastante diferente da visão que seu marido tem sobre autoridade. Ela entende que a melhor forma de exercer sua liderança é através do exemplo, mas também sente que cada pessoa deve ter, em si, o direito e o exercício do livre arbítrio. Como mulher, ela entende que os grupos devem se reunir em círculo e partilhar experiências, ao invés de estarem separados pelo abismo que existe entre a riqueza e a pobreza, e isolados em nichos hierárquicos. O feminino é circular, não tem base e nem ponta.


Rainha de Paus, a que é caçadora e portanto
domina a ação, a coragem e a estratégia.
Ages

O elemento fogo é intenso, caloroso, às vezes impulsivo, mas como estamos na Rainha, já tendo ultrapassado a Princesa e o Príncipe, há um nível de maturidade e estrutura que comporta atitudes rápidas, porém lúcidas. O gênio é forte? Sim... Existe a vontade de fazer tudo do seu jeito? Sim... Mas, na mesma proporção, o coração é enorme e receptivo aos prazeres, dores, celebrações e dúvidas dos outros. A Rainha de Paus sente... De uma forma que o fogo sabe sentir... Que não é água, não é terra e não é ar. Ela sente de modo intuitivo, ela sente “como se fosse ela”, porque, sendo fogo, ela percorre muito rapidamente a distância entre o eu e o outro.


Rainha de Paus, a que desperta no outro o contato
com a própria semente-centelha divina.
Universal Goddess

A centelha divina é o ponto em comum entre tudo que é vivo e entre o que é vivo e a Divindade. Por ter essa percepção, a Rainha de Paus é rainha e, portanto, sabe que tem liderança, poder e responsabilidade, mas ela também sabe que é humana, como todos os demais. E, nas suas relações com as pessoas, ela tanto compartilha a sua própria centelha divina quanto mostra ao outro que cada pessoa tem a sua própria ligação com o Divino... Algumas vezes, ela é capaz de mostrar como fazer para descobrir, alimentar e cultuar a centelha divina e isso faz dela um tipo de iniciadora, alguém que é capaz de apresentar novas realidades ou novos talentos a alguém. No entanto, dificilmente ela será aquela que acompanha as pessoas permanentemente ou que “dá colo”... Muito pelo contrário, ela mostra como não precisar de um colo alheio! Porque se Deus está dentro de cada um, todos podemos ser mais divinos, ao invés de meros pedintes espirituais.
O mundo espiritual está sempre muito próximo do naipe de Paus, especialmente no que diz respeito à inspiração. O momento de conexão com o que é invisível é a “comunhão do fogo”, o que os cristãos chamam de “bênçãos do Espírito Santo” e eu costumo chamam de “fazer download”... É impressionante o fato de o elemento fogo ser o mais etéreo dos quatro, e, ao mesmo tempo, ter uma manifestação tão efetiva no mundo tridimensional. A Rainha de Paus possui este canal direto e aberto que liga o espírito e a matéria, o que faz com que ela possa receber informações não racionais, mas em forma de pura energia, e já manifestá-las através de ações.
A Rainha de Paus, pelo fato de ser uma representação Água/Fogo (Rainhas = Água e Paus = Fogo) tem muito a nos ensinar sobre uma forma fluida e ao mesmo tempo envolvente do espírito se manifestar na matéria. É um fogo que não queima, mas arde e transmuta. É o fogo líquido que circula em nossos corpos, como sangue sagrado. Reparem bem que ela não é a taça (essa seria a Rainha de Copas), mas ela é o conteúdo da taça! A Rainha de Paus é o segredo do Graal e é o mistério da vida que anima tudo que há. Ela está aqui e “lá” e seu poder amoroso pode, muitas vezes, mais assustar do que cativar.
Há que se entender os mistérios do fogo para poder amar a Rainha de Paus.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Tarô e colecionismo

Quatro de Ouros
Universal Waite
Tá aí um rapaz que gosta de guardar coisas...

Quando eu era menor, eu queria fazer uma coleção de alguma coisa. O que mais deu certo foram selos... depois revistas de videogame. Era divertido repassar aquelas páginas e ver nelas, mais que matérias, lembranças.
Acho que é para isso que a gente coleciona. Para manifestar, plasmar fisicamente, recordações. Porque, cada vez que retomamos nossa coleção, ela parece mais bonita. O tempo faz uma pátina interessante na nossa relação com as coisas. Algumas ficam mais bonitas com o passar dos dias, outras perdem completamente o sentido. E algumas agregam novos usos.
E esse lance de colecionismo é sério. Existe inclusive um Instituto de Pesquisa do Colecionismo. O processo que nos leva a agregar valores a objetos e reuni-los dentro de uma lógica particular e específica está ainda longe de ser devidamente interpretado, entendido e vivenciado conscientemente. É um prazer, e, por ora, isso basta.
Evidentemente, existem pessoas que colecionam baralhos de Tarô, e eu sou uma delas. Cada baralho que chega é uma novidade, um carinho novo, um novo alento, um novo olhar sobre um mundo já conhecido com um universo por conhecer. Existem baralhos para tudo: desde os clássicos em fac-símile até aqueles voltados para o último modismo em voga no momento. 
Contentar-se com um só é difícil, ainda que possível. 
Mas não é fundamental ter vários baralhos para ser um bom cartomante. Na verdade, creio que isso mais atrapalha que ajuda. Porque Tarô se vivencia, e vivenciar algo demanda tempo. O estudo do Tarô não é cartesiano. Você tem que entender como aquele grupo de imagens lhe afeta, como e por que determinadas imagens do conjunto lhe afetam mais do que outras. Paralelo a isso, é importante estudar os significados clássicos, para que as cartas não subjuguem o conceito, mas o conceito se aplique a qualquer conjunto de cartas. Dessa forma, você possui o conceito interiorizado, o que lhe permitirá ler qualquer maço com precisão, somado a uma sensibilidade apurada para aquele baralho que é seu e, portanto, possui um simbolismo que lhe é familiar. 
Eu, por exemplo, possuo uma série de baralhos que utilizo em minhas aulas. É importante que o aluno conheça iconografias específicas. Mas eu tive formação no Tarô de Marselha. Ainda tenho interiorizados seus desenhos e aplicações. Estou estudando o Waite-Smith com afinco, mas não nego minhas raízes - na verdade, as venero. E tenho por baralho de trabalho o Ancient Italian. Sua iconografia é em muito semelhante a um Marseille, mas os detalhes em que um e outro diferem são dignos de toda a atenção. Nesse ponto, é o que digo: por conhecer os significados básicos dos Arcanos, poderia jogar o Ancient Italian como qualquer outro baralho de Tarô. Mas meu interesse por seus detalhes específicos faz com que eu o compare com outros conjuntos, buscando as intenções do Dellarocca quando produziu tais imagens e ressignificando as mesmas para meu uso cotidiano (falamos sobre isso quando analisei o Mago, aqui).
Em termos de Cartomancia, eu já estaria satisfeito. Tenho um baralho que eu amo e confio, e tenho segurança nos detalhes que vejo. Acho que esse é o ponto em que todos nós deveríamos chegar. Encontrar o baralho que mais lhe atende. Normalmente, esse baralho é um Marselha (sobretudo nos países latinos; predomina o padrão Grimauld, embora vejamos outros padrões serem comercializados), um Waite-Smith (mais comum em países anglo-saxões, mas atualmente tem um mercado crescente, dado possuir ilustrações nos Arcanos Menores que, aparentemente, facilitariam o acesso ao conteúdo simbólico. As diferentes versões mantém o traço da Pamela Smith, alterando o material com o qual o colorido é produzido, ou inspiram-se nas imagens para produzir um baralho diferente.) ou um Thoth (cujas imagens, de rara beleza e apurado senso estético e simbólico, falam por si mesmas. Considero esse baralho irretocável e incomparável com os que nele se inspiraram).
Mas, anualmente, os catálogos das editoras se enchem de novas possibilidades, belíssimas, de baralhos. Temáticos, voltados para o paganismo, para o cristianismo, para culturas específicas, históricos, voltados para práticas mágicas, voltados para o cotidiano. A despeito de sua beleza, nem todos os baralhos que estão à venda são baralhos adequados à uma prática séria de Cartomancia. 
É muito complicado dizermos se um baralho é bom ou ruim. Bom ou ruim baseado ou comparado com o que? Eu costumo me ater a baralhos históricos e clássicos. Para mim, são os melhores. E, quando digo melhores, não entenda que estou denegrindo os demais. Na verdade, são os melhores para um único cartomante - eu.
Fora minhas escolhas pessoais de baralhos para trabalho, eu gosto de ter outros pelo prazer de tê-los. Conhecê-los, experimentá-los, compreender a intencionalidade do artista na elaboração das imagens. Cotejá-los em relação aos Tarôs clássicos. Verificar sua simbologia específica. E, evidentemente, testá-los. Amo muito tudo isso.
Atualmente, tenho alguns baralhos em fase de apaixonamento e teste. São iconografias específicas, que pedem, mais que estudo, um mergulho. Estou até o topo da cabeça mergulhado em contos, músicas, pinturas, comidas, danças, usos e costumes da cultura árabe. Estou vivenciando as Mil e Uma Noites, não só em relação ao baralho de Tarô homônimo - que é um capítulo à parte, merecendo, portanto, uma postagem à parte - como em relação ao Persian Garden, baralho COPAG magnífico e de baixíssimo custo diante da sua beleza. 

Isso porque teremos agora, em dezembro, 15% de desconto em qualquer produto COPAG comprado pelo site, bastando curtir a página da COPAG no Facebook e adicionando o código NATALCOPAG ao seu pedido, até o dia 31 de dezembro de 2011. Que vontade de comprar mais um :)


Da mesma forma, o Grupo Editorial Pensamento estará com uma promoção entre os dias 13 e 15 de dezembro: 30% de desconto em qualquer livro. Para quem gosta do Hajo Banzhaf, é uma mão na roda. Dois baralhos merecem atenção: o Antigo Tarô de Marselha, de Nicholas Conver, e o Oráculo Wicca. Tenho me divertido muito com o segundo, e o primeiro é um baralho clássico, produzido em 1760, de baixo custo, que não deveria faltar em uma coleção.


E meu atual vício é testar a capacidade da Priscilla Lhacer em encontrar baralhos raros para minha coleção. Ela trouxe para mim o Mage: The Awakening e o 8-Bit, entre outros. Em breve teremos notícias deles por aqui. Com calma, para termos tempo de degustar cada um deles com o carinho que merecem.
Fica aqui meu conselho: compre quantos baralhos puder e quiser (nessa ordem). Conheça os catálogos. Conheça os baralhos, os artistas, os idealizadores. Jogue quantos baralhos quiser. Mas lembre-se: o trabalho feito com um baralho é tão valioso quanto o trabalho feito com dez - o que importa é o quanto você estuda. Divirta-se colecionando - eu me divirto - mas lembre-se: o mais importante é o mergulho na simbologia, não a quantidade de baralhos que você vier a possuir. Mas estude, muito. Mesmo.
Abraços, aproveite as compras.

Caso você leia em inglês, segue um artigo da Barbara Moore sobre coleções de Tarô.

sábado, 10 de dezembro de 2011

Conversas Cartomânticas: Marcelo Bueno e o Rei de Paus



Olá pessoal. Cá temos o Marcelo Bueno, um dos mais respeitados nomes do Tarô no Brasil, apresentando-nos o Rei de Paus. Essa figura enigmática por ser simples mostra seus meandros nas palavras do autor que, de forma magistral, mostra-nos pedacinhos desse Rei que é puro fogo e, por isso, intangível, dotados finalmente de tangibilidade cotidiana. É possível encontrar um Rei de Paus, ele não é lenda. Marcelo guia-nos nessa viagem.
Contatos com o autor: Zephyrus

Rei de Bastões
Alchemical

O curioso do exercício de uma blogagem coletiva é aparecer no meio do caminho – provavelmente, no final – sem saber ao certo como o conjunto das Figuras da Corte foi apresentado, o que se atribuiu à Corte de Paus e o que os companheiros escreveram sobre o resto da família – Pajem, Cavaleiro e Rainha. O que eu posso garantir é que agora as coisas vão esquentar. Se não for muito óbvio (ok, mesmo que seja), “pode vir quente que estou fervendo”.  
Diante de nós temos a expressão encarnada do elemento Fogo. Ele é Fogo em sua natureza, Paus, e Fogo na sua expressão, Rei. Estamos falando do aspecto maduro (porque é Rei) da motivação, da vitalidade, da expansão, da alegria e do poder (Paus).
O bacana da minha experiência em interpretações é que na maioria das vezes em que alguém apareceu como Rei de Paus a pessoa não se reconhecia assim, cabendo a mim o papel de conduzi-la para verdadeiramente “confiar no próprio taco”. Isso é interessante por dois bons motivos: o primeiro é que a pessoa, de modo geral, não se apresenta com um estilo Rei de Paus (ainda que um RP mal trabalhado); segundo, porque também não descrevo o Rei de Paus para que ela se espelhe nele.
Esta, por sinal, foi uma das duas perguntas sugeridas pelo Emanuel para a composição deste texto: “como é vestir a sua mascara, interpretar sua atitude, vivenciar sua influência?”.
De cara, digo que não há máscaras ou interpretações que se enquadrem neste aconselhamento, pois uma das características deste arcano é a autenticidade. Em outras palavras, não interprete nada, apenas seja você mesmo, com suas poucas qualidades e muitos defeitos. O comentário, contudo, é precipitado – como podem ser impulsivas as atitudes de qualquer figura da corte de Paus. Vamos começar direito.

Rei de Paus
Sephiroth

Como já escrevi, o Rei de qualquer naipe é uma personalidade madura. Não necessariamente madura por conta da idade, mas madura porque soube consolidar suas experiências, evoluindo a partir delas – lembrando Sai Baba, “não basta engolir, é preciso mastigar”. As Rainhas também são assim, mas os gêneros desempenham papéis diferentes. O feminino nutre e acolhe, enquanto o masculino põe limites e dá autonomia.
Reis de Paus são empreendedores, independentes, tecnológicos e visionários. Não são particularmente motivadores, no sentido de dar tapinhas nas costas e recorrer a palavras de autoajuda (mais fácil uma Rainha de Paus fazer isso), mas poderão servir de bom exemplo e adotarão a política do “aqueles que estiverem dispostos, que me sigam” – e será difícil alguém não aceitar o convite-desafio.
A liderança é inerente à sua personalidade carismática, lembrando que líder não é aquele que manda, mas aquele que inspira com sabedoria e entusiasmo (do grego en + theos, literalmente 'em Deus'). Como líder, também reconhece o talento de cada um e não delega nada que o outro não possa fazer – ainda que o delegado não saiba disso.
Esse Rei, assim como o elemento que representa, se espalha. A medicina chinesa ensina que o Fogo equilibrado é aquele que não excede a Água (que o domina) e é capaz de produzir a Terra, ou seja, ele precisa conhecer seus limites para não destruir tudo ao redor e usar a sua criatividade para tornar  solo fértil.
Vou me ater aos aspectos positivos deste arcano. Um Rei de Paus desequilibrado é egóico, exibicionista, fanfarrão, invasivo, autoritário, blá-blá-blá... Como estamos todos no Samsara, estes tipos pipocam aqui e ali com maior frequência, e isso tudo ocorre porque o indivíduo não está em contato com a sua verdadeira natureza.
Como ‘transpira verdade’ (a sua verdade, claro), pode ser muito sincero, o que é louvável, mas excesso de sinceridade (necessidade de autoafirmação, talvez) corre o risco de inclinar a balança para o lado da arrogância – e é bom estar atento a isso. De qualquer modo, trata-se de alguém confiável.
Em alguns momentos eu penso no RP como alguém que passou pelo ‘fogo da purificação’, o calcinatio alquímico, que elimina os desejos primitivos identificados com o ego para que o indivíduo se veja livre de medos e condicionamentos para adotar padrões mais amplos e flexíveis – o despertar de uma nova consciência, não no sentido estritamente espiritual, mas incluindo este aspecto.

Rei de Fogo
O Criador
Osho Zen

Espiritualidade, por sinal, é um tema sempre associado a este Rei, muitas vezes visto com um grande mestre. No Osho Zen Tarot, é dito que “existem dois tipos de criadores no mundo: um deles trabalha com objetos -- um poeta, um pintor, trabalham com objetos e criam coisas; o outro tipo de criador, o místico, cria a si mesmo”. Destaco esta passagem porque, particularmente, vejo o Rei de Paus mestre de si mesmo – o que é fantástico – mais do que mestre de outros.
Isso significa que tenho um avatar diante de mim? Muito provavelmente, não. Mas certamente é alguém a quem aconselharia descobrir mais da espiritualidade através de suas próprias experiências e impressões do que através da orientação de outra(s) pessoa(s).
E como lidar com esta criatura, seja no trabalho, no convívio social ou no afeto? O Senhor do Fogo tende a ser uma pessoa otimista, divertida, falante, cheia de insights e de energia. Se você teme os holofotes, não fique do lado. Se não está num dia de muito bom humor, pense duas vezes antes de se lamentar ou aparecer com a cara de coitado: talvez esta presença incandescente transmute as nuvens negras sobre a sua cabeça, mas pode ser que você queira alguém solidário no clima “ó dia, ó azar” e então poderá se aborrecer, pois todos os seus argumentos parecerão pequenos diante de alguém sempre disposto a lidar com os desafios – inclusive se ele resolver falar exatamente o que pensa a respeito da situação.
Dar espaço para um Rei de Paus é uma recomendação importante. Não tente controlar seus passos ou limitar seus movimentos. Se for para ser do contra, tenha argumentos consistentes e cuidado para criticar a ideia, não a pessoa – ainda que exista o risco dele achar que tudo é uma coisa só. Mas se for para levantar realmente uma crítica a respeito do seu comportamento, trate-o com polidez e olho no olho.

Rei de Paus
Dürer

A polidez não é só por uma questão de respeito que deve servir de base em qualquer relação, mas porque esta figura precisa trabalhar em si, muitas vezes, a cortesia e a civilidade para refrear o tom imperativo da voz e a tal inclinação para a arrogância que já citei antes. Se você aumenta a temperatura, esta personalidade inflamável poderá se tornar impulsiva e irracional, colocando tudo a perder.
Entenda também que se trata de um visionário (diferente de ‘sonhador’) e que muitas vezes nem ele mesmo saberá explicar o que se passa por sua cabeça. Lembrei-me de um diálogo com o dono de uma empresa. Ele queria saber a minha opinião sobre um projeto apresentado por um terceiro e que o sócio parecia muito favorável. Disse que achava tudo inconsistente e que o melhor era cair fora. Esta pessoa, no entanto, respondeu que até concordava comigo, mas que o sócio tinha uma ‘antena apurada’ para vislumbrar possibilidades onde ninguém  mais percebia.
E se este sócio não é alguém que identifico como Rei de Paus por vários outros motivos (me aproprio apenas deste momento), cito um legítimo na mesma linha de raciocínio: Steve Jobs, que criou gadgets como o iPhone e o iPad, não para atender uma necessidade do mercado, mas para criar esta necessidade e transformar toda uma cultura de tecnologia e relacionamentos.

Rei de Paus
Estensi Tarot

Enfim, dentre os 16 arcanos, foi muito interessante o Emanuel sugerir o Rei de Paus, que acabou virando conselho para mim também ao longo da semana. As cartas nem sempre estão sobre a mesa; elas também mandam recados de outra forma. Então, se o Rei de Paus apareceu no seu jogo, esteja preparado para o desafio, certo de que ele foi feito à sua altura, que o Universo conspira a seu favor e que a responsabilidade não é só com o que você faz, mas envolve o bem estar de outras pessoas.
Possam todos se beneficiar!

Cavaleiro de Paus
Tarô Iniciático da Golden Dawn

Nota do editor: Em alguns baralhos, como o Iniciático da Golden Dawn, os Reis são substituídos pelos Cavaleiros. Existem diversas possibilidades de análise dessa perspectiva; porém, em última instância, aplica-se tanto aos Reis quanto aos Cavaleiros os mesmos significados propostos.
Atenção: essa interpretação só é possível quando houver a carta do Príncipe substituindo o Cavaleiro original.