quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Os arquétipos do Tarot: O Tarot dos Orixás, de Eneida Duarte Gaspar




 Olá pessoal. Conversando um pouco nos comentários de uma postagem, recebi a sugestão de escrever sobre este baralho, e de tabela sobre a prática representativa das lâminas. Agradeço ao Carlos Deiró a sugestão do assunto. Thanks!
O Tarô dos Orixás: Senhores dos Destinos é uma edição bilíngüe (português/espanhol), editado pela Pallas Editora. É composto por 78 cartas, sendo que os Arcanos Maiores são policromados e os Arcanos Menores monocromáticos, cada naipe de uma cor: Paus, vermelho; Copas, verde; Espadas, azul; e Ouros, laranja.
Os Arcanos Maiores representam os Orixás, assim como a Corte. As cartas numeradas foram representadas com itens que lembram as práticas das religiões afro-brasileiras, correlacionados com os emblemas dos naipes. A Corte é representada por rostos, ao invés de corpos inteiros. É um baralho muito bonito. Há um interativo, promovido pelo Planeta na Web, que dá pra ser jogado, aqui.

Para mim, as cartas do Tarot são alegorias. Alegoria, grosso modo, são imagens que literalmente remetem a uma idéia, mas prefiguram outra idéia, também literal. Deixa eu explicar: Por exemplo, vemos um anjinho vendado, com carinha de safado, com um arco teso para flechar algo. Essa primeira idéia, literal, nos remete a uma segunda idéia, o Amor, conforme a mitologia sobre Cupido. Filho de Afrodite, divertia-se flechando Deuses e mortais, enlaçando-os em situações embaraçosas. Essa segunda idéia nos remete à terceira, prefigurada pela mitologia: o amor como uma força instintiva e poderosa, para além da compreensão intelectual humana, mas ainda assim, inexorável a sua existência.
Quando jogamos Tarot, interiorizamos a primeira idéia literal, ao reconhecermos as lâminas. Interiorizamos a segunda idéia, que prefigura a terceira. Mas a terceira, só nos é dada em relação à consulta que procedemos – pois é do contexto geral onde a imagem emerge que podemos entender seu real significado.
Para que isso ocorra satisfatoriamente, precisamos conhecer, (nos) identificarmos (com) as imagens. E por prefigurarem uma idéia maior, soma da imagem com o nome e por vezes o número (embora seja esse o item mais controverso – coloque lado a lado o Rider Waite, o Thoth Crowley e o Mitológico, que embora não seja numerado, segue uma ordenação), podemos representar a idéia de formas diferentes. Normalmente, remetendo-nos a mitologias.
Como as versões mais antigas que conhecemos remetem à Itália sua formação, podemos já perceber, em algumas lâminas, a presença de referenciais clássicos. Certas lâminas correspondem, salvo engano, aos Deuses Olímpicos – cito como exemplo a Justiça, em relação a Themis ou Athena.
Atualmente, com o fácil acesso à informação, diferentes tradições e culturas nos são apresentadas a todo momento. Nos últimos 59 anos vemos a ascensão da Wicca e da cultura celta, assim como do xamanismo, da cultura maia, hindu, japonesa, e por aí vai. Paralelo a esse processo, temos a valorização do negro enquanto etnia (é importante frisar, e eu FRISO MESMO, que o conceito de raça, para a espécie humana, NÃO EXISTE), e valorização das apropriações e interpretações do mundo feitas pelos nossos primos do outro lado do oceano. Certamente essas apropriações não foram feitas em um século, apenas, dado que desde o século XIV, pelo menos, a Europa já possuía contato com a África.
Todas essas transformações culturais afetaram, sobremaneira, a forma da humanidade ver a si mesma, da qual a arte é produto. O Tarot, como obra de arte que é, sofreu tais influências diretamente. Mantém-se a idéia do Arcano, preservando os atributos das cartas tradicionais, mas altera-se a personagem representada, de forma a, num jogo de aproximação e afastamento, trazer novas idéias ao jogo, preservando a tradição e sem perder em significado.
Claro que nem sempre isso funciona. E temos baralhos horrorosos que corroboram o que digo.
No caso deste Tarot dos Orixás (temos um outro, entre vários,  por exemplo, aqui, no Clube do Tarô), buscou-se manter a forma original dos Arcanos Maiores do Tarot de Marselha, representando os Orixás como personagens dessa trama. O baralho ganha em didatismo, aproximando dos significados e representações tradicionais personagens já conhecidos dos fiéis das religiões afro-brasileiras, propondo, pari passu, um afastamento, de maneira subjetiva, da visão européia, clássica, do mesmo objeto que temos na literatura sobre o assunto. É o que foi feito, por exemplo, no Tarot Mitológico, no Osho Zen Tarot, no Barbie Tarot (simmmm, existe um Tarot da Barbie simmmmm), no Gay Tarot, no Goddess Tarot, no Feng Shui Tarot, e em tantos baralhos que nem tenho como numerar. Visões de mundo oriundas de seus criadores que visam um didatismo maior às cartas, aproximando-as de pessoas com experiências semelhantes.
Eneida Duarte Gaspar foi primorosa na elaboração desse projeto voltado à realidade das pessoas de religião afro-brasileira. É importante destacarmos o trabalho sério da autora, pois é muito normal pessoas de má-fé, pouco conhecimento, pouca formação, ou um pouco de tudo isso junto, misturarem a prática cartomântica às práticas religiosas afro-brasileiras, como se tudo fizesse parte de um mesmo todo coeso (até faz, mas num nível tão mais sutil que nem vale a pena considerar para o nível dessa análise). Búzios, Tarot e Runas só tem em comum o fato de serem oráculos, linguagens de visão do momento presente por uma perspectiva ampla. O Tarot, para além dos outros dois citados, ainda por cima não possui nenhuma ligação com nenhum aspecto religioso. Qualquer atribuição religiosa ao baralho não passa de interpretação pessoal, não sendo digna de crédito enquanto dogma.
Nesse sentido, recomendo, e muito, o baralho de Eneida Duarte Gaspar para o iniciante na cartomancia que seja simpatizante das práticas afro-brasileiras, ou para o estudante do assunto, por ser didático, profundo em suas representações e válido, porque reinterpreta as lâminas, sem perder o foco da tradição, e sem conceder-lhes um status dentro das religiões afro-brasileiras que, efetivamente, ele não possui.
As cartas são:
O Louco Zé Pelintra
O Mago Ossain
A Sacerdotisa Nanã
A Imperatriz Iemanjá
O Imperador Xangô
O Hierofante Oxalá
Os Enamorados Oxóssi
A Carruagem Ogum
A Justiça Obá
O Eremita Omolu
A Roda da Fortuna Ifá
A Força Iansã
O Enforcado Logun'Edé
A Morte Baba Egun
A Temperança Oxumaré
O Diabo Exu
A Torre Tempo
A Estrela Oxum
A Lua Ewá
O Sol Erês
O Julgamento Pretos Velhos
O Mundo Caboclos




Nota em 07 de fevereiro de 2011: Conheci esse baralho, desenvolvido pela Artha Editora. Posto em breve acerca dele. Aguardem

18 comentários:

  1. Gente!
    Então uma Brasileira que teve a iniciativa de criar o tarô dos orixás!!!!
    Agora uma curiosidade!
    Neste tarô, são os orixás que influenciam nas cartas?
    um pouco de candomblé:
    o Ifá (jogo de búzios), se não me falha a memória, quem é detentor dele é Oxum, o orixá que abre o ifá é Ogum, quem dá e recebe as mensagens é Exum.
    Ah e claro!
    Mãe Oxum também participa do oráculo, e devemos inclusive pedir licença pra ela antes do jogo.
    Geralmente quem joga búzios são pais e mães de santo, ou filhos de Oxum...
    E os orixás trabalham diretamente nele!
    Acho que vou dar uma pesquisada sobre isso.
    Emanuel!
    Esse seu Post vai dar o que falar!
    Abraços!

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    1. Carlos, estas equivocado. O Detentor do IFá, é OXALÁ, e não é à toa, que ele deu o dom da visão a Oyá, por isso ela é chamada de "Menina dos olhos de Oxalá"! Outro equivoco, não temos que pedir licensa a Oxum ao abrir os buzios e sim todos orixas. O orumale inteiro, evoca-se o nome de tds. Outra, quem joga os buzios, sao pais e maes de santo, sim, porem filhos que tenham as obrigações feitas, estao se aprontando para provas e possuem o axe de orumilaia, podem sim, também, jogar o ifa!

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    2. Anônimo, não há uma única vertente das religiões afro para que possamos afirmar categoricamente qualquer coisa, em detrimento do conhecimento dos outros. Já ouvi versões diferentes em função da casa onde o médium presta serviço.

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  2. Oi meu caro! Que bom que gostou! Pois bem, embora as imagens sejam dos Orixás, a interpretação se dá pelo sistema tradicional do Tarot de Marselha, sem a invocação ou evocação das entidades. A sensibilidade de um médium desta egrégora poderia facilitar o acesso às informações, mas não sei realmente dizer se iria muito além disso.
    Abraços meu querido!

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  3. É por aí Emanuel, acho que o fato do baralho ser dos Orixás, seria apenas como simbolismo.
    Uma homenagem e tanta.

    Adorei o CÉU DO MOMENTO, levei para o cantinho final do meu blog para quem sabe um dia montar o blog astrológico, ai ai, haja tempo!!!!Hehehe!

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    1. O que eu acho muito engraçado, é gente que não tem o mínimo conhecimento de religiões de matrizes afro, querendo meter o bedelho em tarot dos orixás. Para saber lê-lo, tem que dominar, acima de tudo as lendas de cada orixá e saber o que os orixás representam. É uma palhaçada, quem não tem o pézinho na religião afro, querer meter o bedelho, neste tarot!

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    2. Anônimo, na verdade, reitero o que disse em 2009: esse é um Tarô de Marselha com as ilustrações representando Orixás. Os Orixás já possuem o seu oráculo próprio, dentro da religiosidade que lhes é peculiar. Afirmar que só quem é de religião afro pode jogar esse baralho é no mínimo, ousado.

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  4. Pois é Vovó, é uma forma de ver o que devemos Ver. Não importa o baralho, importa nos sentirmos à vontade com ele!
    Tomara que dê certo o seu blog astrológico!
    Bjo!

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  5. Olá, ganhei o taro dos orixás feito pelo Eneida Duarte Gaspar vieram as 78 cartas e uma a mais contendo a prece à Iemanjá, gostaria de saber se esse carta sobressalente exerce alguma função no jogo, se souber algo sobre isso adoraria saber.

    obrigada

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  6. Oi Anônimo. Não essa carta não tem nenhuma função no jogo, é apenas uma impressão na mesma estrutura do baralho. Remova essa carta para jogar, certo?

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  7. Não gostei de algumas cartas do Tarô dos Orixás. Por exemplo a carta de número 10 é vista como o orixá Ifá e a carta de número 13 é vista como Eku. Pra que isso se essas duas energias raramente são cultuadas dentro do culto?

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  8. Oi Xiquinho, normal não gostar muito. Não é tão simples adaptar uma mitologia, qualquer que seja, para um baralho. E nesse ponto a proposta de Eneida Duarte Gaspar está impecável. Melhor assim que se tomássemos um mesmo Orixá duas vezes, penso eu.
    A ideia aqui é só tornar mais fácil o acesso ao conteúdo de cada lâmina para alguém que conhece os Orixás, nada mais que isso.

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  9. Emanuel, gostei muito do seu blog, apesar de praticante de candomblé, sou também muito interessada na história e de como ela é transmitida. A analogia aos orixas no tarot e no baralhero cigano existe a muito tempo, mas pessoas interessadas em contar a historia como acontece e exclarecer dúvidas, ainda são poucos meus parabéns.

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  10. Gostei muito da postagem... porém, apenas fazendo uma correção sobre o comentário do Carlos Deiró:
    - certamente no Tarot dos Orixás não há influência dos orixás, a não ser que se invoque, penso eu;
    - Ifá é nome do orixá que rege o jogo de búzios (tratado como jogo de ifá);
    - Oxum, segundo a mitologia, TAMBÉM LÊ ifá, por ela ter "roubado" os segredos do jogo, mas não é ela que rege;
    - quem ABRE e lê o jogo é Ifá, ou orixás da pessoa junto de Exú (dependendo o tipo de jogo realizado), mas quem geralmente interpreta e passa a mensagem para o "pai/mãe-de-santo" é Exú (orixá da comunicação).

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    1. Acredito que tenha de reescrever esse artigo, com novas perspectivas.

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  11. Saudações! Adorei o trabalho. Parabéns!! Beijos! :*

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Quando um monólogo se torna diálogo...