Esse é um dos baralhos mais importantes elaborados na história do Tarô. Tanto que, ao lado dos clássicos (inspirados na iconografia do Tarô de Marseille) e do Rider Waite-Smith, não deveria faltar em nenhuma coleção que se preze. Este baralho é o fruto do trabalho conjunto de Alexander Edward Crowley, conhecido como Aleister Crowley (1875-1947), e pintado artisticamente por Lady Marguerit Frieda Harris, née Bloxon, ou apenas Lady Frieda Harris (1877-1962). Inicialmente um projeto para três meses, durou cinco anos, entre 1938 e 1943 (fonte). A ideia de Crowley era desenvolver um oráculo de ares medievais, mas Lady Harris convenceu-o a dar o ar impressionista/surrealista ímpar que possui.
Aleister Crowley
A sombra do idealizador, por vezes, macula o que é um oráculo belíssimo. O nome de Aleister Crowley é elevado às alturas por uns, lançado às profundezas por outros, mas não pode ser ignorado nem por seus adoradores, nem por seus depreciadores. E, apesar dos escritos polêmicos, da discórdia com membros de outras ordens esotéricas, se podemos citar algo com que Crowley trabalhou na elaboração do conceito de cada um dos Arcanos, esse algo é pureza. Buscando ao máximo retificar o que considerava inadequado no oráculo de acordo com suas práticas, temos desde o padrão de cores até os elementos subentendidos nas lâminas, devidamente descritos no Livro de Thoth, que, se estudados com afinco, darão, passo a passo, novos níveis de leitura para as mesmas lâminas com aquela sensação de “por que que eu não vi isso antes??? Esteve o tempo todo aqui e eu não vi!!!”
Jogar esse Tarô é uma grata surpresa. Sempre.
Meu primeiro contato com esse baralho se deu por influência de Silvia Theberge e, ao transcrever a fala dela, há mais de dez anos ecoando na minha cabeça, espero que seja tão tranqüilizante para você quanto foi para mim. Esqueça o autor, concentre-se no oráculo. Foi o que fiz, e não me arrependo. Hoje me sinto muito confortável com a literatura thelemita, mas quando comecei, com toda a minha formação tradicionalista cristã, foi um alívio ver o baralho dessa forma. Mais divertido foi descobrir, depois, que esse baralho não tem nada de anticristo ou coisas afins. O medo decorre da ignorância e, passada a ignorância sobre esse baralho, só sobra o deleite.
Tratando-se do Thoth, tomamos, mesmo que inconscientemente, o mesmo padrão dos leitores dos escritos de Crowley: você pode detestá-lo, ou apaixonar-se perdidamente por ele. É impossível ignorá-lo. É um baralho provocativo, pleno, intenso, com níveis de leitura que beiram as aguadas de uma aquarela – não se sabe onde termina uma pincelada/previsão e onde começa outra, ainda que delineiem-se perfeitamente distintas.
A Estrela
Nuit, a Senhora do Céu Estrelado
Thoth Crowley-Harris
Esse baralho possui algumas diferenças em relação ao modelo clássico. Seu próprio título, Livro de Thoth, remete aos Mistérios Egípcios e a Etteilla, que o antecedeu na escolha do epíteto para seu próprio baralho. Mas a iconografia evocativa dos elementos da mitologia egípcia (como Osíris n’A Morte e Nuit n’A Estrela) justifica e referencia seu uso.
Arte
Thoth Crowley-Harris
Nos Arcanos Maiores, quatro cartas tiveram seus nomes alterados: a Justiça (Arcano VIII) torna-se Ajustamento; a Força (Arcano XI), torna-se Luxúria, também traduzido como Tesão ou Volúpia (no original em inglês, Lust); a Temperança torna-se Arte; e o Julgamento torna-se Æon. Tais alterações nominais não alteram a interpretação iconográfica, adequando, contudo, as lâminas às ideias do Mago.
Thoth Crowley-Harris
Na Corte, a figura do Rei dá lugar ao Cavaleiro, o Cavaleiro clássico dá lugar ao Príncipe e os Pajens dão lugar às Princesas. Vê-se aí a ideia matrifocal tomando o lugar do patriarcalismo, já que a figura de maior poder não é mais o Rei, mas a Rainha, a quem o Cavaleiro deve sua honra e serviços.
Três de Copas
Abundância
Mercúrio em Câncer
Thoth Crowley-Harris
Nas Cartas Numeradas, temos a referência na própria iconografia ao decanato proposto para cada uma das cartas, além de um título impresso, que guia nossa interpretação num primeiro momento. Tais títulos são tão precisos que influenciam o desenvolvimento de novos baralhos até hoje.
Repare na tarja do Purple Box, à direita, embaixo. Nela diz: "Includes
3 versions of the Magus card"
Disponível em diversas versões, temos, da US Games, a versão Green Box, que conta com 78 cartas grandes, a Purple Box, que conta com as 78 cartas médias mais os dois Magos dispensados por Crowley, e a Blue Box, que é uma versão pocket. As versões possuem livreto explicativo escrito por James Wasserman.
Os três Magos
Conforme artigo de Claudio Carvalho,
Existem ainda várias especulações sobre a feitura deles, algumas variam desde a lenda dos Três Reis Magos até as três linhas de magia, negra, branca e cinzenta. Contudo, alguns pesquisadores chegaram a conclusão que o arithmo 80 (78 + 2 Magus) tem uma profunda relação com a Deusa da Justiça e da Verdade, Maat que é o complemento de Thoth na mitologia egípcia e desta forma se revela um processo coerentemente arithmológico.
Werner Ganser foi o responsável pela nova edição dos Três Magos. Em uma de suas visitas ao Instituto Warburg, Ganser constatou que havia três cartas referentes ao Mago, e que segundo ele próprio, poderiam ser duas peças a mais para colecionadores, deixando a escolha de qual o Mago a ser usado para o comprador.
Apesar de terem ganho um significado adicional com o tempo, essas cartas não são necessárias para o jogo, cabendo ao usuário utilizá-las ou não em função da sua iconografia ser ou não agradável ao manipulador.
Esse é um baralho para amantes do Tarô, para tarófilos. Talvez suas cores fortes impressionem além do esperado os iniciantes. Mas, superando o primeiro momento, é um baralho para se manter por perto por toda uma vida.
Excelente sua visão sobre o Crowley. Só acho que num primeiro momento, para o aluno aprender, ele contém muita informação de uma vez. Prefiro ensinar com o Rider-Waite mas a beleza deste baralho é incostetável. Abraços,
ResponderExcluirMagali.
Esse baralho me fez reacender o interesse pelo taro quando pensava em não mais estudar, nem mesmo lidar com esse instrumento. Amo!
ResponderExcluirOi Emanuel, gostei do artigo. Uma observação importante: Crowley além de equilibrar simbolicamente o masculino e feminino no seu baralho, fez questão de varrer qualquer traço cristão que pudesse referenciá-lo. No artigo de Claudio Carvalho fala-se em "magia branca, negra e cinzenta", porém, o próprio Crowley dizia que "magia não tem cor, apenas segue a intenção de que a utiliza". Creio aí, ser um equívoco. Outro detalhe, é que os três magos surgiram em algumas edições para completar as duas cartas restantes, uma vez que cada folha de impressão contém 20 cartas para corte, logo, sempre há duas cartas sobressalentes. Os outros dois magos são croquis que não foram aprovados por Crowley e que acabaram sobrando, nada a ver a classificação de "mago disso ou daquilo", é puro mito. Abraço!
ResponderExcluirDetalhe: esse baralho não foi criado, originalmente, para divinação, mas com a intenção de representar os graus iniciáticos de dentro da O.T.O.
ResponderExcluirDisso eu não sabia!
ExcluirOi Magali. Particularmente, para aulas, prefiro aqueles inspirados em Marselha. A ideia do Waite-Smith possui meandros do autor que não correspondem à totalidade possível de interpretações.
ResponderExcluirAugusto, quando ganhei o meu, tive a mesma sensação...
Gian, se ele tentou varrer o simbolismo cristão completamente, ele foi bem infeliz na tentativa, ou deixou rastros pré-cristãos de interpretações posteriormente agregadas ao cristianismo.
Eu citei o artigo do Claudio Carvalho como uma versão interpretativa dos Magos, que, ao fim e ao cabo, não tem uma razão aceita por todos para existirem. Há a questão comercial, há uma hipótese de que Crowley não aceitou as obras de Frieda, "contentando-se" com Mercurio... Mas que Mago disso, daquilo ou o que seja é mito, ah é. E como as pessoas se divertem com os mitos...!
E sim, o baralho não foi criado para divinação, mas acabou sobrepujando os desejos do idealizador. Ainda bem, né?
Abraços!
Olá, adorei o nome do blog!
ResponderExcluirE deixo aqui também expressa meu amor por esta linda obra de arte que é o Tarot de Crowley.
Com ele as portas de uma percepção mais sensível se abriram pra mim e um dom pode se manifestar.
Um lindo presente!
Parabéns pelo blog.
Oi Geeta! Muito obrigado!
ExcluirEsse baralho é um presente, em todas as acepções da palavra.
Beijos!
Realmente, Geeta! Minha sensação foi exatamente essa!! Nossa sensibilidade é colocada em prática constantemente!
ExcluirAdorei! Um texto super atual que me faz querer estudar cada vez mais! Não vejo a hora do meu Thoth chegar!
ResponderExcluirOi Simone! Uma viagem nesse baralho é passagem só de ida. Aproveite e venha contar pra gente suas sensações! Beijos!
ExcluirBom dia, Emanuel! Demorei mas não esqueci: receber meu Thoth foi um momento único: as cartas possuem um colorido intenso, exuberante, as ilustrações são arrojadas e algumas até "futuristas". Realmente você tem razão, esse baralho "é passagem só de ida", pois ele nos leva a um mundo fascinante e maravilhoso. Em relação aos significados dos arcanos, é a nossa viagem interior, a descoberto do nosso eu. A minha chegada até ele me emociona até hoje, quando me lembro das leituras iniciais e dos medos e preconceitos que consegui vencer! Por isso, sempre que posso retomo minhas leituras. Realmente, foi um lindo presente que dei para mim mesma!
ExcluirPuxa! Que bacana!!! Que ele seja rico em suas mãos!!! <3
ExcluirNa verdade os 3 magos representam as 3 escolas de magia: Branca, negra e amarela.
ResponderExcluirNo magick sem lagrimas cap 6,7,8 Crowley explica a relacao.
O mago em forma de suastica representa a escola amarela, o mago sem bracos foi castrado, existe uma sombra negra atras dele, representa o o cristianismo corrompido, e o mago Branco representa a escola branca, que veio para restabelecer o equilibrio original.
Ninguém (nickname curioso, por sinal): eu não tenho tais referências. A data deste livro é anterior a 1945? Será que Crowley manteve tais ideias, se de fato foram dele?
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