segunda-feira, 18 de julho de 2011

Conversas Cartomânticas: Descobrindo a Justiça com Leonardo Dias.


Olá pessoal. Contamos hoje com a postagem do Leonardo Dias, do blog Descobrindo o Tarot, sobre um dos Arcanos mais próximos da nosso cotidiano. Qualquer profissional do Direito conhece seus símbolos, já que a imagem em si lhes é relacionada. Leonardo nos guia de uma forma bastante suave pela construção da alegoria e, consequentemente, de seus significados atuais. 
Leo trabalha especialmente com o Rider Waite Smith, tecendo considerações fantásticas sobre a iconografia dessas lâminas em diversas possibilidades midiáticas. Atualmente ele tem trabalhado com vídeos e feito um excelente trabalho!
Contatos com o autor: www.manimaneon.wordpress.com.

Rider-Waite-Smith

Justiça. Equilíbrio. Ordem. Precisão.

A Justiça do Tarot sempre foi uma das cartas que eu achei mais xoxas. Seu significado é - ao menos aparentemente - tão óbvio que nunca me inspirou a mergulhar mais fundo em busca de alguma descoberta. Do mesmo modo, as linhas gerais de sua representação nunca me transpareceram qualquer coisa além do que pode ser obtido da simples observação. Em consequência do papel diminuto que sempre ocupou no meu Tarot pessoal, foi com certo ceticismo que recebi o convite para participar da postagem coletiva do Conversas Cartomânticas, discorrendo sobre a Justiça. E eis que, assim como o véu entre os pilares às costas da figura do baralho Waite-Smith, por trás de sua superfície pouco encantadora, a figura da Justiça tem sim o que nos revelar.

De Angelis

A primeira coisa que eu percebi ao começar a (tentar) escrever sobre a Justiça do Tarot foi que boa parte de sua falta de encanto se deve à familiaridade que a mente contemporânea tem com sua representação. De fato, a alegoria da Justiça conta-se entre aquelas que conseguiram manterem-se vivas em nossas mentes desde a Antiguidade; todo mundo sabe de cara o que quer dizer uma mulher segurando balanças e uma espada. Nisso, a representação da Justiça se aproxima à da Morte, ou à do Diabo, e se distancia das representações de cartas como O Enforcado ou Os Enamorados, cujo significado não conseguiu se preservar facilmente identificável aos olhos modernos. Inclusive, é bastante certo afirmar que ao menos parte do que motivou a criação de um tarot esotérico deve-se justamente ao senso de mistério que essa falta de vínculo imediato provoca no observador carente de referências corretas. E eis que, em 1863, menos de cem anos depois da “descoberta” de Gébelin, o francês Paul Christian consolida esse senso de mistério que os trunfos inspiram ao reintitulá-los arcana, “mistérios” em latim.
Para entendermos como a figura da Justiça chegou até nós, bem como de onde ela veio, cabe aqui olhar um pouco para seu passado.

Visconti-Sforza (U.S. Games)

As origens da figura 

Origens da representação da Justiça remontam à figura de Dike, deusa grega que personifica as regras e valores que regem o mundo humano. A figura da Dike grega parece ter servido de base para que os romanos compusessem a representação de sua deusa Iustitia, que, já nessa época, era retratada como uma mulher portando na mão esquerda uma balança, e na direita uma espada. A Iustitia romana é essencialmente a origem direta da figura da Justiça que encontramos entre os trunfos do Tarot. Sua inclusão entre os trunfos explica-se pela participação da Justiça entre as quatro Virtudes Cardinais. O conceito das quatro Virtudes vem de Platão e Aristóteles, e chegou à arte e ao pensamento renascentista por intermédio de pensadores medievais tais como Tomás de Aquino (1225-1274). Platão sustentava que as Virtudes eram princípios que fundamentavam a existência do universo e regiam a ação do homem correto, e esse seu caráter essencial conservou-se no pensamento medieval e renascentista. No momento da criação dos trunfos, a imagem da Justiça gozava de reconhecimento geral entre os artistas e pessoas educadas da época. 
É importante ressaltar que é como Virtude (isto é, uma qualidade de caráter) que a Justiça integra a lista dos trunfos. Sendo assim, seu significado original inicialmente aproxima-se da ideia de retidão de caráter, que confere o certo valor às coisas e exibe integridade de julgamento nas ações.

Marselha Grimauld

Simbolismo

A espada e a balança são os elementos centrais do simbolismo da Justiça. Em sua representação no baralho Waite-Smith, os pilares ao fundo também merecem destaque. A espada e a balança constituem um par de símbolos que possui sua dinâmica própria.
A espada é um antigo símbolo associado a poder, autoridade e virilidade. Com suas duas lâminas, a espada serve de boa representação para as duas faces do poder – a que mantém a paz e a ordem por meio da autoridade, e a que os destrói. A espada é essencialmente um símbolo de ação, e uma espada em repouso serve como lembrete da autoridade que esse poder de ação possui. Outro aspecto do simbolismo da espada está ligado a ideias de honra, valor e coragem. A Justiça tem sua espada na mão direita, relacionada ao princípio masculino e ao intelecto. Podemos ver em sua espada, aqui, seu poder de executar ou determinar a execução de uma ação; sua força, honra e autoridade; bem como sua clareza de raciocínio, e sua capacidade de distinguir entre o certo e o errado, usando o poder cortante de seu intelecto para tal. Sendo capaz de manter a ordem e de perturbá-la, a espada também exprime a ideia do processo de constante criação e destruição no qual consiste a própria existência. Assim, em um nível mais profundo, a espada na mão da Justiça indica sua função de criar/destruir para manter a ordem geral. Entretanto, a espada representa uma força que raramente consegue manter-se no devido equilíbrio. É aí que entra a balança.
A balança é um velho símbolo de equilíbrio e medida. Já no Antigo Egito, ela era associada a Maat, deusa que personifica o princípio da Ordem e da Verdade. Existe também uma associação da balança com o tempo, a alternância entre dia e noite, e os ciclos que se sucedem indefinidamente. Essa associação da balança com a cíclica alternância entre os opostos ao longo do tempo confere a esse símbolo ideias relacionadas à ordem cósmica e à noção do tempo como cíclico. O próprio signo de Libra marca um momento do ano em que o dia e a noite têm igual duração: o equinócio de Outono. Marcando o equilíbrio entre os opostos primordiais – dia e noite – Libra incorpora o poder da balança de equilibrar as forças naturais. A balança da Justiça indica seu poder de encontrar a certa medida, o ponto dourado no qual os opostos encontram-se em perfeita harmonia. Amparada pela força reguladora que a balança representa, a espada pode ser usada com justiça.
O par de pilares entre os quais se posiciona a figura da Justiça tem uma significância específica ao baralho Waite-Smith. Nesse baralho, pares de pilares geralmente costumam representar os limites entre um mundo e outro, como um portal. Por trás do véu entre eles há uma realidade de percepção diferente, mais ampla que a ordinariedade do mundo exterior a esse local sagrado. Em seu texto sobre essa carta no The Pictorial Key to the Tarot, Waite traça uma distinção entre a justiça humana (os valores morais, o conjunto de regras e normas que regem a vida comum) e a Justiça espiritual (a Ordem subjacente do universo, a Verdade por trás de tudo). Essa instância superior da Justiça, da qual nossa justiça humana é apenas um reflexo, é o que está por trás do véu entre os pilares dóricos na carta número 11 do baralho Waite-Smith.

Albano-Waite

A Justiça em ação – sua presença nas leituras

Ainda que o significado da Justiça seja bastante óbvio mesmo para praticantes mais novatos, frequentemente eu noto certa dificuldade em encontrar um lugar e função para essa carta nas leituras. Uma boa compreensão da Justiça requer, antes de tudo, um entendimento claro do conceito de justiça em si. Tal compreensão suplanta o objetivo desse texto, mas ainda assim somos capazes de chegar a alguns denominadores comuns a esse respeito.
Em leituras, a Justiça traz uma constelação de ideias relacionadas a ordem, precisão, autoridade reguladora, retidão de caráter, honestidade e regra. A Justiça representa as medidas, por meio das quais se estabelece uma ordem. Sua presença muitas vezes indica que o consulente terá que lidar com situações onde o respeito às regras será importante. A coroa da Justiça nos lembra que esta é uma figura de autoridade. Ela também pode indicar, portando, poder de decisão.

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