Olá pessoal. Esses dias eu tenho me preocupado, me degladiado com a questão pessoal nos estudos. É fundamental, para o ensino, a aprendizagem e a evolução pessoal e grupal do Tarot, a crítica documental. E, nessa área, a crítica se debruça sobre os significados das cartas em diversas posições e jogos, escolas de interpretação, formas de manipular as cartas - oráculo, meditação, magia - entre outras coisas.
Mas ainda há quem insista em discutir intérpretes, ao invés de discutir interpretações. Trabalho desnecessário, que causa rompimentos e rusgas na comunidade tarológica, que por si só já é vasta em possibilidades. Temos, além de todas as escolas, os autodidatas - como eu fui e sou - que apreendem o oráculo na prática, haurindo de fontes diversas as possibilidades interpretativas, muitas vezes sem crítica e sem referenciais corretos. Todo baralho de Tarot, é, essencialmente, um Tarot; mas jogar um Thoth, um Rider, um Mitológico ou um Kier resulta em experiências diferentes! (Já falamos sobre as possibilidades iconográficas aqui, e aqui falamos sobre o papel do ilustrador nesse processo.)
Costumo dizer que Tarot é a linguagem, como temos o português, o inglês, as libras e os sinais. Como linguagem, é o grupo de signos que permite, por combinação, a obtenção e a emissão de determinadas informações. Contudo, como linguagem viva, está em constante transformação, sofrendo adaptações e singularizando-se de forma tal que, a despeito de não perder seu sentido original, ganha em regionalismos e "gírias", como a linguagem corrente. No caso do Tarot, esses regionalismos e gírias são as diversas interpretações iconográficas. E isso não é de hoje: temos tantos Marseille quanto temos gravadores, a despeito da versão Grimauld ser a mais veiculada e tida como "correta" por aqui. Exemplos: Conver, Antigo Tarô de Marselha (editado no Brasil pela Editora Pensamento), Nostradamus, Centúrias, Grimauld (a "correta"), Dusserre, Burdel, Universal (Burdel), clássico, Marselha, Convos, Espanhol (que, particularmente, acho lindo, com seu cromatismo de temperatura mais elevada - não gosto de baralhos "frios", risos). E aqui só me remeti aos baralhos Marseille disponíveis no site Albideuter! Se fizéssemos o mesmo trabalho com o Rider-Waite, que é sem dúvida o baralho mais utilizado no mundo (ainda que o Marselha continue sendo o mais utilizado em países latinos, como o Brasil), as possibilidades seriam infindáveis!
No caso do Marselha, como vimos, estamos diante de uma mesma interpretação pictórica dos símbolos, com mais ou menos acuro, com mais ou menos cores. Para mim, regionalismos. Assim como temos baralhos italianos, que são diferentes dos franceses, que são diferentes dos suíços, que são diferentes dos alemães, que são diferentes dos espanhóis, que são diferentes dos brasileiros, tendo, no entanto, a mesma característica enquanto baralhos de Tarot - 22, 42 ou 78 cartas, 22 Arcanos Maiores.
Agora, o que chamo de "gíria" são as interpretações artísticas que temos em profusão hoje em dia, mas cuja origem é antiga, já vista em alguns baralhos "regionalistas". Como disse, um Rider não se parece com um Thoth, que não se parece com um Kier. De Waite a Crowley, temos uma releitura dos prospectos da Golden Dawn, e do Thoth para o Kier uma releitura da iconografia egípcia à luz dos atributos de cada carta. Os baralhos dialogam entre si, não causariam um estranhamento a um iniciante. São suas peculiaridades que falam a nós. Assim como somos capazes, enquanto brasileiros de um território vasto, amplo e continental (#pleonasmofeelings), de compreender o que uma pessoa que mora em Pernambuco, em São Paulo, no Rio Grande do Sul e no Acre diz, assim também somos capazes de compreender os atributos básicos que diferenciam um Arcano do outro, permitindo sua cambiância em uma linguagem coesa. Contudo, em cada um desses lugares existem palavras que não são de uso comum, fazendo sentido apenas para aqueles que foram apresentados, iniciados a elas. Da mesma forma, em cada um desses baralhos, temos elementos que só farão sentido, só ampliarão as possibilidades interpretativas, se forem devidamente conhecidos. Para isso lemos sobre Thelema para entender o Thoth - já que foi em função dessa filosofia que o baralho foi desenvolvido - e estudamos mitologia egípcia para entendermos o Kier.
Essas gírias não fazem o Tarot perder em nada. Acrescentam peculiaridades a uma linguagem já rica, deixando-a mais preciosa, mas sendo, sobremaneira, dispensáveis para aqueles que não acreditam em acréscimos, sem perda para o uso do mesmo. O problema que vejo é quando existe uma depreciação da linguagem, uma degradação do símbolo. Isso ocorre, sobretudo, quando os baralhos são criados por artistas sem conhecimento do símbolo e/ou sem orientação de um cartomante experiente. Com a Internet, fica fácil desenhar um baralho. Entro no Albideuter ou na Taroteca, baixo uma ou duas cartas, pego o que entendi delas e desenho meu próprio baralho! Simples, né, champs?
NÃO! Arte não é só inspiração. Arte é projeto, é sentido, é fundamento e proposta. E o Tarot, antes de qualquer outra coisa, é um baralho e uma obra de arte! Não adianta ter só intuição nessa hora, senão todos nós seríamos artistas - intuição não é Dom para poucos, é Dom treinado por poucos - assim como o talento artístico!
E, voltando ao que norteia essa postagem, hoje eu tirei o Rei de Copas no Tarot Personare. Um dos atributos desse Rei, que tem uma facilidade impressionante para reproduzir os sentimentos seus e dos outros, é a compaixão, atributo raramente lembrado quando pensamos em crítica.
Contudo, a raiz etimológica do conceito já nos norteia:
com.pai.xão sf (lat compassione) Dor que nos causa o mal alheio; comiseração, dó, pena, piedade.
A Wikipédia vai além. Contudo, apesar de ser um conceito naturalmente relacionado à religião, eu o vejo mais relacionado à religiosidade, ou seja, à proposta de Ser, não o Ser a quem se louva.
Relacionando isso ao tema proposto hoje, eu estou interessado nos sotaques, nos regionalismos, nas possibilidades interpretativas que não fui capaz de intuir ou descobrir. Estou interessado na conversa cartomântica que podemos ter em relação a isso. Eu cresço com isso! Quanto a isso, não existe compaixão, existe burilamento, existe aparar de arestas, clareamento de ideias. Chegamos onde queremos chegar deixando o que houver de inadequado para trás. Conhecemos novas bibliografias, novas abordagens, novos sites, blogs.
Agora, cuidemos para que nossa gíria não seja confundida com linguagem, e que, dessa forma, consideremos que alguém esteja errado em falar por não falar como nós.
A todos aqueles que estiverem dispostos a conversar sobre ideias e não sobre pessoas de forma depreciativa, sejam sempre bem vindos a esse espaço. A todos aqueles que desejem expor pessoas de forma depreciativa, outros espaços lhe serão mais adequados.
Abraços a todos.
Abordagem fantástica, Emanuel... Trabalho fascinante de relacionar os diferentes baralhos de acordo com seus ilustradores. Muitas pessoas têm a concepção errada de que o tarot, independendente das suas origens, será sempre uma coisa só. Não acho que isso seja de todo errado, mas ignorar as peculiaridades e individualidades de cada baralho seria ignorar a própria pluralidade humana!
ResponderExcluirParabéns mais uma vez.
Falou e disse! :)
ResponderExcluirE sua postagem me fez viajar na maionese: já pensou um Tarô das gírias?
2 de Espadas - Climão.
A Torre - A casa caiu, mermão!
A Sacerdotisa - Só na moita...
9 de Espadas - Caguei no maiô
10 de Espadas - Morri!
Nossa, seria de uma riqueza, não? Porque o Brasil enorme do jeito que é, imagine quantas expressões para um mesmo arcano? E claro, acredito que o Louco seria unanimidade: Aloka!
E um tarô de subcelebridades, "imprensa marrom"?
Ok, ok, chega. :P
Adorei sua postagem, me fez pensar por demais, ainda mais eu que depois de anos e anos estudando por conta própria, só agora estou me envolvendo mais, entrando em contato com outros tarólogos, fazendo cursos. Nós só temos a ganhar compartilhando idéias e não tentando impor as nossas aos outros (ou acatando as dos outros como se fossem lei).
Grande abraço, criança amada!
Esse post prova o quanto o tarot é um instrumento rico! Boa semana!
ResponderExcluirOdir, eu penso o seguinte: a pluralidade de manifestações não cancela o efeito único de cada baralho como um único Tarot, como um único sistema. Simples assim. Mas tem quem complique...
ResponderExcluirDoraci, seguindo seu raciocínio...
Mago - Tô podendo.
Imperatriz - Linda e loira na avenida.
Torre - Arrasou Paris em chamas.
E por aí vai...
Risos!
Mas o fato é que não há "certo" e "errado" quando falamos de Tarot. Anyway, temos que ter um discurso coeso, a despeito das discrepâncias entre as práticas. Não adianta apontar um ou outro como pai, avó, hierarca, patrono, padrinho ou o que quer que seja do Tarot. Temos que mostrar resultados, estudos, vivências, que permitam que a profissão seja reconhecida pela similitude, não pela diferença.
Obrigado, Senhor da Vida, pela consideração! Continuemos valorizando o tesouro que temos em nossas mãos... literalmente!