Olá pessoal. Hoje, gostaria de compartilhar com vocês alguns questionamentos e considerações a respeito da feitura de um baralho. Antes de qualquer outra coisa, em minha concepção pessoal, vejo o baralho como uma obra de arte; dessa forma, para que ele exista primeiro tem que haver uma intencionalidade – para que ele alcance o status de obra de arte – e uma finalidade – para que ele atenda às expectativas concernentes à sua funcionalidade, que geram como produto final uma identidade - uma resposta aos questionamentos da época ou do indivíduo que as propõe.
Partindo desse princípio, é muito importante não só sabermos os nomes dos magos responsáveis por determinadas edições de baralhos, como também algo sobre os ilustradores que traduziram a experiência do encomendante em imagens acessíveis ao público. Nem sempre tais ilustradores tinham a vivência da cartomancia, mas certamente sua visão de mundo como artista também ficou impressa nas cartas, talvez mais até que o conhecimento de quem encomendou.
Essa experiência ficou clara para mim recentemente, pois fui convidado por um amigo para ilustrar um livro infantil que ele estava produzindo. Embora ele tenha sido extremamente detalhista em suas considerações acerca do que deveria ser ilustrado, quais cenas eram mais importantes e de que maneira as queria, ao me preparar para produzir o material fui tomado por outras ideias, outras possibilidades, até mesmo pela perspectiva de usar outros materiais – inicialmente queria trabalhar com aquarela, mas com o decorrer do trabalho utilizei muito mais lápis de cor e nanquim. Ainda que pareça desconexa, essa história me levou ao insight dessa postagem. Ainda que ele tenha sido claro no que queria, foi minha técnica, minha experiência, meu traço e meu gosto pessoal (e os meus limites, também) que deram forma aos pensamentos do meu amigo sobre o seu texto.
Certamente não sou um caso isolado. Nesses anos, tenho me encontrado com alguns ilustradores e produtores de baralhos, e a experiência tem sido bem rica. Vejamos alguns baralhos e a história de seus ilustradores.
A Ordem da Aurora Dourada (Golden Dawn) incentivava seus membros a produzirem seus próprios Tarôs. Segundo Giordano Berti,
a Ordem Hermética da Golden Dawn (A Aurora Dourada) colocou à disposição de seus adeptos o famoso Liber T, atribuído a 'H.R.U., o grande anjo encarregado da Operação do Saber Secreto'. Na realidade, esse manuscrito contendo as atribuições do Tarô foi redigido por Samuel Liddell Mathers, que tinha sido, em 1888, um dos fundadores da confraria. Existiu também um jogo da Ordem, do qual restou muito pouco hoje. Mas houve certamente outros diversos Tarôs da Golden Dawn, pois os Adeptos eram convidados a desenhar eles mesmos seus jogos, baseando-se mais claramente nas descrições contidas no Liber T do que no modelo oficial da Ordem Hermética.Os baralhos mais famosos dessa leva, Rider-Waite (Smith) e Thoth (Crowley-Harris), entretanto, não foram produzidos pelos magos que os idealizaram, A. E. Waite e A. Crowley, respectivamente, mas por Pamela Smith e Frieda Harris, duas ilustradoras e artistas plásticas.
A Temperança
Waite, Wang, Crowley, Berti
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É possível perceber que os baralhos acima possuem a mesma referência, embora proponham aspectos distintos em sua arte. Os baralhos da dupla Waite-Smith e de Crowley-Harris (também chamados de A Bela e a Fera - The Beauty and the Beast) são claramente inspirados no(s) Tarot(s) da Golden Dawn.
Pamela Colman Smith (1878-1951), a artista responsável pelo Rider Waite, possuía formação esotérica, de forma que Arthur Edward Waite (1857-1942) pode orientá-la de maneira mais efetiva. O baralho possui um ar entre o medievalesco e o romântico. Surpreende o fato da artista não ter utilizado nem hachuras nem sombreados nas lâminas, mas é algo perceptível em outras obras suas - algo como a aplicação do seu estilo ao baralho.
Já Frieda Harris (1877-1962) produziu o baralho em função de sua própria técnica - diz-se que Crowley esperava uma arte mais medieval. Harris não possuía conhecimentos prévios de magia - foi orientada por Crowley em toda a produção, chegando a refazer uma carta até oito vezes. Consta que ela experienciava as características da cartaem que estava trabalhando. Infelizmente, tanto em relação ao Rider quanto ao Thoth, falta documentação que nos permita conferir como foi o processo real de produção.
Em relação à iconografia, vale a pena conferir sobretudo a relação entre os Arcanos Maiores de Waite e o Tarot da Golden Dawn editado por Robert Wang, assim como os Arcanos Menores deste mesmo baralho relacionados com os de Crowley.
Um caso mais recente. Tricia Newell, ilustradora do Tarot Mitológico (atualmente editado no Brasil pela Editora Madras, depois de ter sido pela Editora Arx e antes pela Editora Pensamento), foi orientada, certamente, por Juliet Sharman-Burke e Liz Greene na produção das cartas. Entretanto se observarmos o baralho Sharman-Caselli, e o Novo Tarô Mitológico, ambos ilustrados por Giovanni Caselli, percebemos claramente que o tema é o mesmo, mas a técnica se sobressai. Sugiro a observação especificamente da Imperatriz, onde fica mais gritante essa constatação.
Atualmente, é possível acompanhar artistas que desenvolvem seus baralhos em tempo real. É o caso de Ciro Marchetti, Stephanie Pui-Mun Law, Lisa Hunt, Robert Place, entre outros. Vale muito a pena uma pesquisa no Facebook.
Portanto, no estudo de um determinado baralho, não basta ter conhecimentos somente sobre quem o encomendou – pois essa parte é apenas conceitual. A produção, o fazer em si, parte de um artista que, ainda que bem orientado e vise atender unicamente às expectativas de seu encomendante, imprime de maneira indelével sua marca sobre as cartas, produzindo uma identidade para além da primeira intenção.
Deseja algum dos baralhos presentes nessa postagem? Coelestium.
Abraços a todos, até a próxima postagem.
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