quarta-feira, 1 de junho de 2011

O Tarot e a Monalisa: uma perspectiva da história da arte sobre o Tarot

Tenho percebido uma certa dificuldade em delimitar a abrangência do Tarot em suas diversas acepções e possibilidades. Isso se aplica, principalmente, quando as questões de gosto são suplantadas por interpretações esotérico-herméticas das imagens. E, como no fim das contas, o Tarot funciona a despeito da forma como é abordado - desde que com respeito e sinceridade - a dúvida persiste. Devemos - ou não - utilizar a Cabala no Tarot? E a Mitologia? E a Astrologia? E a Numerologia? E a Culinária? E a Astrofísica? E as Artes Cênicas? E a Alta Costura?

Como qualquer obra de arte, o Tarot é passível de qualquer interpretação que seu observador deseje. Se eu quiser ver a Papisa como mãe/maternidade, eu a verei, e o rearranjo simbólico particular não afetará a mensagem dada pelo todo - certamente, quando eu precisar abordar o tema mãe/maternidade, a Papisa estará lá. Há quem veja a Papisa como a Sacerdotisa, e essa troca semântica lhe dá o epíteto de "esposa perfeita"; sendo assim, quando esse for o tema, lá estará ela, confiante com seu livro, seu véu e suas vestes pesando sobre uma provável nudez (difícil falar sobre o trás-do-véu, que dirá o por-baixo-da-saia!).
Eu, particularmente, a associo com a fase da mulher que transcende a necessidade do sangue mensal. Por isso, para mim ela é a avó - mãe/maternidade vejo com o auxílio da Imperatriz. Por conseguinte, ela não aparecerá na mesma conjuntura em que uma pessoa, das duas primeiras acepções, veria. 
Contudo, possivel e provavelmente, nós três daríamos ao consulente um mesmo prognóstico geral, esmiuçando, de acordo com nossa capacidade, peculiaridades que considerássemos importantes.
Até aí, esse tema é indiscutível. Não dá para discutir sobre o arcabouço simbólico de uma pessoa sem causar-lhe a confusão da centopéia. E isso é totalmente desnecessário. Se uma pessoa de boa índole, sem a intenção de explorar um cliente, diz que um/uma Cigano/Cigana lhe acompanha em um jogo de Tarot, auxiliando-lhe a Visão, não possuo elementos que possam desmenti-la. Em nenhum momento o acompanhamento mediúnico é necessário para o bom funcionamento do Tarot. Mas todos havemos de concordar que pelos frutos conhecemos a árvore. Se o resultado é pontual, e positivo, não deveríamos nos preocupar.
Preocupante é quando temos proselitismo nessa área. "É necessário conhecer Cabala." "Não! Não é necessário conhecer Cabala!" "Mitologia é fundamental!" "Não, mitologia é absolutamente dispensável!"
Aonde essa discussão nos leva? Lugar nenhum. Ambas as possibilidades geram efeitos positivos. 
O que me incomoda é quando aparece uma suposta "obrigação" de conhecermos determinados autores ou temas para entendermos o Tarot como um todo. Recentemente, fui questionado quanto à minha capacidade nesse oráculo porque não possuía em minha coleção um Rider Waite, ainda que houvessem diversos baralhos diretamente inspirados nessa obra (e, apesar de não ter o referido baralho na época, escrevi esse texto aqui. Obrigado Taroteca que me deixou contemplar esse deck). Claro, como colecionador que sou, era muito frustrante; mas como sempre joguei o Marselha e, mais recentemente, o Thoth, não via por que ser questionado em minhas interpretações. Meu oráculo funciona, meus alunos aprendem, tudo lindo como bem gosta o Caetano.
Claro que, quando finalmente adquiri meu Rider-Waite, percebi que ainda havia muito o que aprender, perceber e vivenciar, a despeito do que eu reconhecia deste baralho pela internet e pelos baralhos nele inspirados. A empiria, no Tarot, é a forma mais divertida de aprender.
O que considero importante, não, fundamental, ao estudioso de Tarot, é a aquisição de obras e a crítica textual das mesmas, seja em estudos pessoais, seja em cursos. Temos excelentes profissionais executando estudos comparativos que, por sua própria natureza, nos levam a questionar sistemas rígidos de interpretação. O sistema proposto por Crowley, que foi tão fundamental no início dos meus estudos, hoje se mostra incompleto, não porque deixou de ser bom - quem teria a falácia de dizer isso? - mas porque, frente às experiências cartomânticas que vivenciei, novos significados se anexaram aos anteriores, colorindo meu baralho com minha própria paleta.
E, ao colorir meu baralho com significados intrínsecos à minha experiência, acabo selecionando também o conjunto simbólico de cartas que desejo. O vocabulário adquirido se torna mais claro, mais nítido, menos passível a confusões interpretativas (no meu caso, quando a coisa fica feia, eu gaguejo. Já imaginou a cena?)
E porque eu chamei a história da Arte para a conversa?




Não sei se vocês conhecem esse quadro, afinal de contas, retratos falam mais aos envolvidos que aos estranhos. A menos que os ditos estranhos estejam dispostos a buscar ir além do propriamente revelado na tela por seu autor.
Ok. Ironia, não é? Quem não conhece esse quadro?
Agora... Alguém poderia, por gentileza, me garantir as motivações do pintor responsável ao elaborar essa obra? Alguém poderia, por gentileza, entrevistar a modelo e me contar o que ela pensa dessa representação?




A obra em nada perde pelas lacunas nas fontes. Ao contrário: sua aura se acentua. Por outro lado, a Pop Art se apropriou de sua imagem gerando inúmeras representações, variações sobre o mesmo tema (Podemos conhecer algumas aqui, mas a minha favorita é a do Botero, mesmo). O que você acha da releitura proposta por Botero, aqui apresentada? Falta de respeito, genialidade? Cópia barata para aparecer?


Da Vinci Tarot, A Sacerdotisa


E... se misturarmos o Tarot com isso? Lembra do arcano II, que ilustra o início dessa postagem? Aqui está ele, relido através de uma obra de Arte. E nesse momento, o Arcano perdeu seu conteúdo ao ser relido? A obra de arte perdeu seu sentido ao ser relida? Ambas perderam o sentido ao serem relidas? Ou, como penso, temos uma cambiância de significados que permite novos voos interpretativos?
O constantino, do Clube do Tarô, tem uma perspectiva assaz interessante sobre isso (Fonte, grifo nosso).

Os ensinamentos esotéricos, que nos vêm de mestres do passado, são quase sempre difíceis de serem compreendidos a fundo e requerem muito estudo e dedicação. E tal dificuldade vale igualmente para o Tarô. Quais são os antigos desenhos que melhor representam as idéias fundamentais? Qual é o verdadeiro significado de cada carta? 
Estudiosos modernos dão suas interpretações, nem sempre coerentes entre si, pois seguem diferentes teorias e pontos de vista. Aumentam, assim, o desafio do iniciante para descobrir as fontes autênticas. Para complicar mais ainda o panorama, há milhares de reinvenções artísticas e subjetivas que, apesar de muitas delas serem bem bonitas, deformam a simbologia original e afastam o iniciante da fonte.


Bem, eu sou a favor de todo tipo de deck que respeite a ideia do Arcano, mesmo que não, necessariamente, a iconografia clássica. É o exemplo da Morte do Tarô das Bruxas e Magos: ela não se assemelha em nada à Morte de outros baralhos, e, contudo, ali estão os principais significados do Arcano: transformação, metamorfose, fim de uma fase e início de outra - ideias  propostas pela borboleta.
Contudo, para a aprendizagem do oráculo, sempre recomendo um baralho clássico - e tomo por clássicos os baralhos cuja bibliografia a respeito é ampla e passível de reflexão: Marselha (especialmente para nós residentes em países latinos), Rider, Thoth.
Depois desse primeiro contato, qualquer voo é possível. Antes, porém, pode tornar confusa a absorção de novas interpretação e a errônea visão de que Tarot é tudo igual.
Tarot é uma obra de arte e, como tal, deve ser fruído com consciência de sua produção, causas e efeitos de sua iconografia e, claro, interpretações críticas de suas imagens a partir de fontes fidedignas.
Abraços a todos.

Um comentário:

  1. Muito bom! Mais um texto pra acrescentar ao meu material de estudos... Muitas reflexes... ;)
    Abração!

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