quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Da vilania ou: como conseguir um antagonista para sua história.



Recentemente, a Luciana Onofre postou uma página de uma revista da revista Marvel+Aventura N° 4, p.11 (Panini Group)*. Era uma one shoot** do Dr Doom (Doutor Destino, aqui no Brasil). Ele consultava um baralho de Tarot (o Aquatic) e observava atentamente a Estrela. Fiquei doido para ler a revista. Qual não foi minha surpresa ao ir à banca e descobrir que ela custava menos de dois reais!


Dr Doom
Imagem da capa da revista


A história gira em torno da busca de Victor von Doom por um grande amor do seu passado. Ao invés de contratar um detetive, Victor procura oráculos diversos na América – local que ele particularmente detesta.
Conforme a Wikipédia, Doom possui poderes mágicos que o permitem invocar hordas de demônios ou criar escudos mágicos. Contudo, seus talentos mágicos são limitados devido à sua arrogância e recusa a admitir que ele não é um mestre em todas as habilidades. Quando ainda era uma criança, ele descobriu os artefatos místicos da mãe e começou a estudar as artes ocultas e também a desenvolver seu talento nato para a ciência. Começa aqui uma parelha de estudos que culminarão na atual conjectura em que ele vive. Numa soma de inveja de Reed Richards e orgulho desmedido de sua suposta superioridade, Doom começou a conduzir experiências extra-dimensionais muito perigosas. O foco da pesquisa de Doom era construir um dispositivo transdimensional de projeção com que poderia se comunicar com sua falecida mãe, Cynthia, uma Bruxa. Havia uma falha no projeto, indicada por Richards, mas o orgulho de Doom impediu-o de aceitar o conselho e consertar o dispositivo antes de o testar. A máquina trabalhou perfeitamente por 2’37”, durante os quais Doom descobriu que sua mãe estava presa na região do Inferno controlada por Mephisto (aonde está até agora). Em seguida o dispositivo explodiu, marcando sua face com uma longa cicatriz que sua vaidade encarava como uma desfiguração horrenda. Recusando-se a reconhecer sua própria culpa no ocorrido, Doom responsabilizou Richards pelo acidente, achando mais fácil de acreditar que Richards sabotara seu trabalho.


Cavaleiro de Copas (?)


Em 2003, Destino percebeu que limitava suas habilidades desnecessariamente ao se focar apenas na tecnologia, e somente ocasionalmente na sua herança mística. Ele se voltou novamente para o ocultismo e vendeu sua alma a um trio de demônios em troca de habilidades mágicas ilimitadas e uma armadura nova feita com a pele de Valéria, uma mulher que o amava desde sua juventude. 
É aqui que começamos. 
Cacei em minhas coleções de Dragão Brasil (revista dedicada ao RPG, atualmente fora de circulação) a matéria que falava de vilões. Ainda não a achei (rs), mas precisava só de uma frase para esse artigo. O que faz um vilão? Maldade? Ódio? Mesquinhez?
Não. Esses são fatores secundários.
Um motivo. Só isso. 
Acrescente à mistura os fatores secundários previamente apresentados.
Algo que foi dito. Algo que não foi dito. Algo mal dito. Algo bendito, mas para outra pessoa. Ausência de possibilidades. Excesso delas. E, evidentemente, o chavão da vilania: a vingança.
É impressionante a capacidade que vejo nas pessoas para a vingança. Dedicar-se à própria evolução é um esforço maior que a busca pela destruição de um inimigo. É simplesmente irracional.


Capa da primeira temporada


Saindo um pouquinho das HQ’s e indo para um seriado, tenho assistido com uma certa frequência Charmed, seriado de 1998 (antes que alguém pergunte “COMO eu não assisti isso ANTES???”, eu respondo que só não tive como. Makhtub). Nesse seriado, três jovens bruxas, as Charmed Ones, enfrentam inimigos deste e de outros planos. 
Conforme a Wikipédia, vilão
geralmente é uma figura ardilosa, que utiliza suas habilidades com o intuito de prejudicar alguém ou conseguir algo que deseja de formas escusas. Muitas vezes com planos, que são aplicados ao longo da trama, prejudicando normalmente o protagonista, mas ao término, é de praxe que para ter um final aceitável aos olhos do público, o vilão tem seu plano arruinado de forma heróica pelo personagem principal.
E eu fiquei pensando... Na “vida real”, mais que termos disciplina para crescermos como Filhos da Arte ao invés de termos poderes absurdamente overpower (como congelar o ambiente, por exemplo), nossos “inimigos”, se é que posso utilizar esse termo, são pessoas como a gente. São de carne e osso, e sonhos, como nós mesmos. Com qualidades, defeitos, características, perspectivas, planos, visões. Encaminham-se para pontos além, como nós mesmos. E, ainda assim, desejam o combate. Ou nos incitam a combatê-las. Ignorância? Talvez. Intolerância? De fato.
Convenhamos, ninguém gosta de ter um inimigo. Parece que eles só funcionam na novela, para dar colorido à trama e ao drama. É um saco encontrar um maledicente. Um limitador. Um juiz. Um bolinador. Um pervertido. E nem sempre tem-se forças ou formas de enfrentá-lo. Ele pode ter mais poder que nós, e cá não estamos falando de magia: um primo mais velho que bolina a priminha, ou espanca o irmão mais novo. Aquele filho da mãe que lhe colocou a culpa pela quebra da vidraça da vizinha. O antigo amigo que, de amigo, só tinha o compartilhar unilateral de segredos. Ou pior: você partilhava teus segredos que ele, por sua vez, partilhava com um grupo para mérito próprio ou demérito seu. O enganador, que lhe prometeu algo e não cumpriu. Aquele que lhe roubou. Aquele que lhe traiu. Aquele que xingou sua mãe. Que assediou sua namorada. Um homofóbico, um racista. Um fanático pelo time oposto ao seu que não entende que jogo é jogo. Um crédulo pertencente a uma religião de massas que diz que você está errado... mesmo que isso não tenha a menor importância para você.
O estômago embrulha diante dessas possibilidades medíocres e malditas de comportamento que, no entanto, são mais comuns e recorrentes que se imagina ou se permite imaginar. Elas são reais. Não creio que ainda existam “bolsas de valores de almas”, como sugerem Constantine e o próprio Dr Doom. Mas existem bolsas de valores da fama. Observemos o que recentemente a mídia faz com os artistas (aqui e aqui), e, mais recentemente, o que os artistas tem feito em contraposição (aqui e aqui).
Trazendo para a esfera do nosso cotidiano, temos a redução da escala só no que concerne à abordagem, porque o stress é o mesmo. Cada um sabe onde o sapato aperta (e, se não sabe, é só dar uma conferidinha no mapa astral atrás de Saturno, Netuno e Plutão que se descobre rapidinho).

E na Cartomancia? Onde encontramos a vilania?

Diabo
Thoth Crowley Harris
Um dos detalhes mais preciosos dessa representação de
Pan é seu sorriso. Ele não está nem aí para que o demonizem.
Ele é o próprio Demônio, mesmo...

Nos Arcanos Maiores do Tarô, Diabo. Nem é necessário pensar muito para a obviedade da relação Arcano/contexto. Nenhuma outra carta assume tão bem o papel pelo erro. Bode expiatório por natureza e vocação.
Nos Menores, Espadas. Mais uma vez, não é preciso pensar muito - talvez, devamos pensar um pouco para relativizar sua abordagem negativa e trevosa, e para isso recomendo o precioso texto do Marcelo Bueno. Ainda assim, Espadas é o naipe por excelência dos antagonistas (essa palavra vai ser fundamental mais à frente), dos inimigos, dos obstáculos. Algo de Paus, também - o Sete que o diga. Copas mostra muito mais os inimigos interiores que os exteriores. Em Ouros, faltam antagonistas - esse naipe é tão neutro, tão indiferente às pessoas e tão voltado às situações que é difícil pressupor de onde surgiriam inimigos. Talvez o quatro..? O sete..?
Talvez.
Mas, pesquisando para essa postagem, encontrei uma relativação temática que merece ser citada. Vilões são antagonistas... mas nem sempre antagonistas são vilões.
Conforme a Wikipédia
[Antagonista] não é sinônimo de vilão, pois no caso do protagonista ser um anti-herói, os antagonistas podem ser os verdadeiros heróis. Um exemplo é Mr.Brooks (Kevin Costner), no filme de mesmo nome, em que Brooks é um serial-killer e a antagonista é Tracy Atwood (Demi Moore), a detetive responsável pelo caso.O antagonista não precisa ser necessariamente um personagem, podendo ser o próprio ambiente onde se encontra o protagonista, um traço de personalidade ou sentimento do próprio herói contra o qual ele luta (como o ciúme em Otelo, o Mouro de Veneza) ou até mesmo uma ideia ou conceito que é a principal fonte dos conflitos da história (como um preconceito ou o capitalismo).
Alguém aqui lembrou de uma carta? Eu lembrei.

Torre
Ancient Italian


Preocupemo-nos, portanto, com situações, não com pessoas. Elas são amplas, e, para piorar, são também passíveis de ampliação. Pessoas vêm e vão. Situações permanecem até sua resolução. 
Ou, como costumo dizer... mudam os atores, permanece o roteiro.
Essa postagem vem a calhar num primeiro de dezembro. Dia Mundial de Combate a AIDS. Essa antagonista tem que ser combatida. De fato. 



* Agradecimentos especiais ao filho da Luciana, Andrés. Se não fosse por ele, não teria ido tão longe. Gratidão pela sua apresentação à sua mãe que, por sua vez, apresentou o conteúdo para nós todos. Obrigado.

**one shoot: aventura com começo, meio e fim numa única revista.

***stellium: acúmulo de planetas, segundo a Astrologia, em determinada casa.

5 comentários:

  1. Preciso comprar essa revista do Doom.

    Aliás, uma coisa que acho muito produtiva é a possibilidade de ver o outro lado. Porque quando a história é contada pelo Richards, realmente, o Doom é o vilão.

    Mas ai meu marido, fan do Doom, me mostrou a Triunfo e Tormento, onde junto com o Estranho ele vai resgatar a mãe no inferno. E de repente, eu descobri outro Victor Von Doom. Um homem que sofreu coisas indizíveis que moldaram muito dele. Que tentou se aproximar do irmão e que percebeu que enquanto ele passou por tudo que passou, o irmão era um playboy (pq o Richerds é muito), que é amado pelo povo que governa e que se preocupa em fazer esse povo feliz (Doom é um vilão para o resto do mundo, mas é um herói na Latvéria).

    E ai embora ele seja mesmo canalha e manipulador, eu entendi porque ele tem tantos fãs, porque ele é visto por muitos (e por mim agora) como um anti-herói e não um vilão.

    Quando eu mestro RPG os meninos costumam dizer que o que mais dá medo nos meus vilões é que eles não conseguem ter ódio plano e simples por eles. Eles acabam odiando os vilões ao mesmo tempo que amam, ou sentem piedade, ou se identificam...

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  2. Gostei muito do blog compadre! tenho um baralho que ganhei de uma bruxa amiga, junto com os livros ensinando os arcanos! Não sou muito aplicado mas gosto muito! Um abraço e obrigado pelo convite

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  3. Eu sempre penso nos motivos que delineiam um vilão, Sarah. Vilania pura e simples - vide Feiticeira Branca, ou ligue no SBT em horário de novela - é tão irreal quanto a bondade irrestrita. É tudo uma questão de ponto de vista (no caso do oponente/vilão/inimigo, confrontante).
    Por isso, sempre é bom um afastamento emocional quando isso se aplica ao cotidiano. Às vezes, à maior parte das vezes, o que se aplica é ignorância pura e simples, associada à intolerância. O problema é que, quanto mais envolvidos emocionalmente, mais nos atemos aos detalhes e não à essência do ato que, por sua natureza ignorante, passa a ser insignificante.
    O Doom é para mim referência nesse ponto. Ele é um filho da mãe odioso. Mas por essa mesma mãe de quem é filho, ele foi ao Inferno. E se não fosse merecimento prévio, ele o criaria (facilmente e sem remorso).
    Um motivo. Reconheça o motivo e nada mais existe de importante. Ele tem a mãe. Todo o resto é insignificante.
    Hora dessas, quero jogar RPG com você. :)

    Oi Seu Ribeiro, sede bem vindo a este espaço! Retome suas cartas, conversemos juntos com elas! Forte abraço!

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  4. Adorei o post, Emanuel.

    Posso acrescentar mais algumas cartas "vilãs"? rs 5 de Paus e o 7 de Paus. O Diabo, o traiçoeiro, é uma representação perfeita da vilania.

    Obrigada por compartilhar sua ideias.

    Bênçãos Plenas

    )O( Aphrodisiastes )O(

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  5. O Cinco de Paus, Aphrodisiastes, eu vejo mais como o enfrentamento de uma situação que de um vilão, como o sete - e evidentemente, devo muito a interpretação do Tarô Mitológico nesse sentido. Mas vejamos o Waite: no cinco, a gente não sabe quem briga com quem, a SITUAÇÃO é desconcertante. No sete, um rapaz luta com outros seis - ainda que não apareçam, pressupõe-se que os paus abaixo dele sejam manipulados por pessoas.
    O Diabo é traiçoeiro, sim, mas é só saber jogar seu jogo que ele pode ser um bom amigo. Mesmo ele tentando te enganar o tempo todo em seus salamaleques, é só levar no riso. Não se atenha às pessoas, mas sim às situações. Elas sim, revelam intenções. :)
    Um grande beijo e obrigado!

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Quando um monólogo se torna diálogo...