quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Enamorados e o poliamor: conceito moderno, possibilidade antiga...

Os Enamorados
Marseille Grimauld

Assisti por esses dias um documentário sobre o poliamor que me levou a refletir sobre diversos aspectos dos relacionamentos, sobretudo, por uma questão iconográfica que sempre me intrigou: afinal de contas, qual é a relação entre o rapaz Enamorado e as duas mulheres que o ladeiam em alguns baralhos clássicos? 

Amor
Master
Cupido, aquele que se diverte com isso tudo.

O poliamor é, grosso modo, a habilidade, ou capacidade de se envolver afetivamente por duas ou mais pessoas ao mesmo tempo, mesmo que não desenvolva um relacionamento com o objeto de tal sentimento (na verdade, para entender o comportamento adequadamente, sugiro que leia isso aqui e isso aqui também.). Em definição citada por Daniel Cardoso,

Haritaworn et alia (2006: 518) definem poliamor como «a suposição [assumption] de que é possível, válido e valioso [worthwhile] manter relações íntimas, sexuais e/ou amorosas com mais do que uma pessoa».

Entenda-se: numa relação desse naipe, não existe traição, dado haver consentimento de todos os participantes, e nem possui ênfase sexual, o que caracterizaria outros comportamentos, como o swing (vide as diferenciações aqui). É engraçado, dentro de uma tradição monogâmica, pensar em um jantar a três ou em um DR coletivo [#medo]. Mas essas relações são mais recorrentes do que se imagina (pensei em usar o termo comum, mas soaria contraditório. Nem tudo o que é recorrente é comum, ainda que seja normal)


Amantes
Ancient Italian

E lá está o nosso rapaz, Enamorado, entre suas (possíveis) amantes. Será devido a isso a carga tão intensa de significação relativa à escolhas? Ele tem que escolher. Ele não pode ficar com as duas. Loira ou morena? Gorda ou magra? Mais jovem ou mais madura? Tímida ou independente? Passe por essas opções, mas, sinto muito, todas você não pode ter. São antagônicas, pelo menos no que concerne ao corpo físico. Você tem que escolher, rapaz. Enamore-se de uma, esqueça (ou lamente-se pelo resto de sua vida) a outra.
Talvez, por esse sentido ser por demais tabu - se ele tem a escolha, é porque existe a possibilidade - a mulher à esquerda passou a ser a mãe. Ou o Vício; a da direita, a mulher virtuosa. Aquela que, de fato, é digna de ser amada no futuro, deixando a primeira no passado... E é para ela, para a futura esposa, que o safadinho Putto* aponta suas flechas. A flecha, por sua engenharia, foi elaborada para atingir um alvo por vez. E, para atingir um novo, deve ser retirada do primeiro. Logo... É bom escolher quem cai.

Amantes
Visconti-Sforza (US Games)

Divirto-me pensando o que ocorreria se o Putto do Marseille pensasse estar nos esponsais de Visconti e Sforza... e esquecesse que, ao invés de uma mulher, houvessem duas.


Amantes
Iniciático Golden Dawn
Sempre me perguntei qual é a atribuição do
mito de Perseu e Andrômeda à ideia de
apaixonamento e escolha. Nunca entendi.

Sigo pensando no papel do rapazinho (e em diversas outras questões, como a proposta acima). Ele ama, e ama as duas, e ama diferentemente as duas, ou ama, e ama as duas, e ama de maneira igual e manifestação potencialmente diversa as duas?
No campo dos relacionamentos, cada um é dono e senhor dos seus próprios pensamentos e sentimentos, competindo a si mesmo entregar a quem achar conveniente. Ou afogar-se em si mesmo, pois no plano dominado por Copas, quem não bebe da taça afoga-se em saliva.
Agora, se me dão licença, vou lá ler Dona Flor e seus dois maridos, porque falta-me inspiração para escrever mais. Hmmm... Mudei de ideia. Vou ler o final do segundo livro d'As Brumas de Avalon. :)

E, para você seguir pensando também, além das leituras supracitadas, aqui vai o documentário que motivou essa postagem:


Poliamor from Zé Agripino on Vimeo.


Ouviu a música dos créditos? É Secretly, de Skunk Anansie. O vídeo também aborda o poliamor, mas merece atenção o seu desfecho.




E por fim, uma música perfeita para tal postagem, Je n'aime que toi, do filme Les Chansons d'Amour (2007)




Abraços a todos.



*Putto (putti, no plural) é um termo que, no campo das artes, se refere a um menino nu, quase sempre de sexo masculino e representado frequentemente com asas. 
Utiliza-se esse termo, normalmente, quando não se existe a certeza de estarmos diante de uma representação de Cupido.

6 comentários:

  1. Curti!!Vc não julgou, deu possibilidades de deixou cada qual com suas conclusões. E respondendo a pergunta "Ele ama, e ama as duas, e ama diferentemente as duas, ou ama, e ama as duas, e ama de maneira igual e manifestação potencialmente diversa as duas?" e respondendo por mim e pelo meu modo de vida: ama-se de modo diferente, diferentes pessoas. Eu gostei muito Manu!!! =)

    Por tradição o Enamorado é escolha.Mas e se por um momento fosse união?

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    1. Esse é o tipo de coisa que não dá para julgar, Iony. Existe, você aceita, desde que a vontade de todos os envolvidos seja respeitada.
      Não existem mocinhos nem vilões quando vemos as coisas mais de perto. Na verdade, acho que assim tudo é mais interessante.

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  2. Boa!!! Adorei o texto. Posso arriscar que a lâmina dos Enamorados representa, antes de mais nada, POSSIBILIDADES...

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  3. É isso ai, alias, dado aos tipos de relações afetivas cada vez mais diferentes do que se tinha como rotineiro, acho que os Enamorados é um convite a debater essa questão quando de fato estamos enamorados por mais de uma pessoa.
    É o que vai ajudar na possível escolha ou quem sabe na sorte de poder viver uma união sincera a 3. Me lembrei do filme Três Formas de Amar.

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    1. Augusto, ser cartomante é rever continuamente suas motivações. Não existem preconceitos para o oráculo, existem interpretações, norteadas pelos pontos de vista de quem as consulta...
      E sabe que nunca vi esse filme? Fiquei curioso. MESMO.
      Bora alugar o mais rápido possível.
      Valeu pela dica!

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Quando um monólogo se torna diálogo...