segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

A terceira posição.


Olá pessoal. Escrever sobre ética e Cartomancia faz-se necessário. Não me vejo na melhor posição para escrever teoricamente sobre o assunto, pois ainda preciso ler bastante a respeito. Ética é de uma fluidez e plasticidade que tornam extremamente complexos seus usos - e mais que isso, seus possíveis entendimentos.
Adoraria que mais pessoas se dispusessem, com maior acuro que o meu, a escrever sobre isso. 
Entretanto, aceito o desafio e o incentivo propostos pela Kelma Mazziero e disponho abaixo algumas observações. Como a riqueza da escrita está na especificidade do seu uso, eu preciso, prioritariamente, deixar claro que isso não é um desabafo, tampouco um julgamento; essa reflexão é fruto da minha observação do andamento dos diálogos em redes sociais, sobretudo por pessoas do meu círculo - que, à propósito, também são cartomantes ou entusiastas do Mistério.


Recentemente, li um texto muito bacana sobre Virginia Woolf. Trata-se do ensaio "a meia marrom", de Erich Auerbach. Nesse texto, entre outros pontos, o autor frisa a questão de não ser possível, na obra analisada, definirmos a posição do autor como soberana sobre o enredo. A autora mostra-se desconhecedora dos mistérios que permeiam a psique dos seus personagens, lidando com fatos cotidianos que, devidamente sobrepostos pelo leitor, dão a ele subsídios para entender as motivações dos mesmos. Entretanto, é impossível mergulhar profundamente em cada um deles - sabe-se o que eles permitem que seja sabido, pouco ou nada além disso. Algo revolucionário para o período em que a obra foi escrita, algo cotidiano para quem lida com a vida e intimidade dos seus consulentes.
E, no processo de reflexão que sucedeu a essa leitura, percebi que a minha dinâmica em redes sociais estava me deixando muito mau humorado. Como os humores antecedem o entendimento, precisei de um distanciamento para entender o que de fato estava acontecendo e como deveria me posicionar frente a isso. 
Nesse ínterim, uma série de fatalidades tomou conta da minha timeline. De ocupação das escolas em São Paulo, às tragédias de Mariana e Paris, culminando numa história que eu não vou repetir, por respeito aos seus participantes, que já foram suficientemente expostos em diversas redes sociais.
Eu acompanhei, por vezes comentando, por vezes discutindo, ao fim me calando sem concordar, com uma série de argumentações que me soavam vazias e cruéis. E confesso, não estava entendendo o motivo pelo qual aquilo me incomodava tanto. Eram apenas opiniões, em discussões inócuas. Mas havia algo por trás daquilo que eu precisava entender.


Eu escrevo hoje enquanto outra tragédia acontece - nesse instante, o Museu da Língua Portuguesa em São Paulo arde em chamas. Num ano em que cada tragédia soa como se fosse a última, eu sinto que ainda temos um bom espaço até que possamos respirar aliviados (ou não), pelo finado 2015.
Mas é necessário que se escreva, que se fale, que se expresse. Sobretudo a partir da consciência de que o que observei, refleti e agora exponho não passa de uma ótica sobre as coisas. Sobre a qual eu devo ser responsável e transparente. 

Pois bem. Nota-se que os textos das redes sociais, sobremaneira, permitem-nos uma análise em três tempos. O primeiro, acerca do objeto da notícia, comentário ou imagem: seja ele vítima, algoz, situação, catástrofe, evento. O segundo, acerca de quem escreve, compartilha, comenta. Tanto pela qualidade quanto pela quantidade de comentários, temos um campo rico de possibilidades. Mas o que ora me interessa é o terceiro: aquele que está produzindo a inter-relação entre o primeiro e o segundo campos. 


Pensemos nas tragédias. Cada foto, cada áudio, cada gravação é parte do todo; entretanto, mostra-se como todo e é comentado como tal. Lembremo-nos de quando um senador, outrora jogador de futebol, foi acusado de ter contas fora do país. Até que ele, de forma íntegra, provasse sua inocência, inúmeros comentários contra sua integridade foram tecidos. Além de ser acusado de forma leviana por uma revista de ampla circulação, foi julgado sem direito a advogado pelo público que outrora o elegeu. Com sua alegada e provada inocência, o jogo virou: simples. 
Simples?
Não, não é simples. Estamos lidando com a vida, com a imagem, com o nome e com a honra de uma pessoa. Vive-se e morre-se por isso. 
Houve também uma hashtag muito comentada por mulheres, na qual elas denunciavam veladamente os homens que as haviam causado algum tipo de dano. Nesse momento, eu comecei a me incomodar. Dado meu incômodo, fui tachado de machista, por querer preservar meus privilégios (?) frente uma denúncia legítima (???). Faltavam argumentos, não para esclarecer, mas para ver por uma perspectiva mais ampla o cenário. Entretanto, quando se tocam dores, é melhor ter remédio à mão. E na posição que eu estava, eu queria mais era meter o dedo na ferida.
Outros casos se mostraram à minha frente. E eu fui percebendo que hora ou outra eu teria que enfrentar esse tema, porque ele tocava não só na minha forma de ver a vida, mas na forma como levo a minha profissão de cartomante. 

 Lembremo-nos dos três pontos que citei anteriormente:
1. O tema.
2. A relação com o tema.
3. A posição do produtor da informação.

Podemos, sem perda do sentido, associarmos com o trabalho do cartomante, da seguinte forma:

1. O consulente e o que o motiva à consulta.
2. O oráculo e as informações que ele produz.
3. As relações propostas pelo cartomante entre uma coisa e outra.


Essa relação tripartida é fundamental para o bom funcionamento de qualquer oráculo, vejo eu. É necessário que o consulente venha à mesa sabendo o que quer (mesmo que seja só para matar sua curiosidade); é necessário que o savoir faire do oráculo seja de pleno domínio do cartomante (mesmo que ele seja jovem no processo; aceitar seus limites nessa hora é trabalhar com lisura); é necessário, principalmente, que haja uma interação entre cartomante e consulente para que as histórias trazidas e vistas sejam devidamente entretecidas e o consulente saia sem dúvidas (mesmo que isso seja feito a posteriori). 
Como cartomante, meus olhos são de cartomante, minha escrita é de cartomante e, mesmo em outros locais que não o ritual, minha forma de encarar a informação é de cartomante. E é aqui que entra a ética, conforme gostaria de observar.
Quando você procura um cartomante, você se mostra frágil. Mesmo que unica e exclusivamente por curiosidade, você está se colocando nas mãos de uma pessoa que falará coisas sobre a sua vida, sua intimidade, sua forma de ver o mundo e lidar com seus problemas. Esse é um ponto de fragilidade axial. Mesmo que você considere besteira tudo o que ouviu na consulta, você está se posicionando frente a informação que obteve. Você não terá como enfrentar seus problemas com o mesmo olhar - há algo a mais que você ouviu, uma opinião que não bate com a sua. 
Sorte sua, e parabéns ao profissional, que conseguir chegar a um ponto de confluência entre o que está na mesa e o que está em seus planos.
O oráculo é, na maior parte das vezes, algo desconhecido para você. As imagens ali dispostas em formações geométricas singulares nada dizem sem o intérprete. Ou (quando lidamos com o Diabo, a Morte, o Caixão...) soam tenebrosas - por serem entendidas individualmente - quando não o são devidamente contextualizadas. É necessário que haja quem interprete e leia para você o que ali está dito.
E o cartomante, o oraculista, esse deve ser de sua confiança ou sob indicação de alguém de sua confiança. Não se dá tiro no escuro quando o assunto é intimidade. Uma pessoa que usa exemplos pessoais todo o tempo ou pior, exemplos de outros consulentes, tende a ater-se menos à mesa à sua frente. O que é necessário está ali, e o dito profissional procurando na memória uma história parecida? Dois passos para trás.  
(nota em 03 de janeiro: é importante frisar que exemplos são instrumentos de entendimento e podem sim, ser usados pelo cartomante, de forma a tornar a leitura mais fluida, mais conversa. O que digo aqui é que, se a consulta deixa de ater-se ao baralho disposto entre consultante e consulente e passa a ser uma reminiscência, alguma coisa está bem errada.)
Se tais cuidados são eticamente necessários no trato profissional, caro cartomante, tal metodologia não deveria fugir quando se postam coisas na rede social. 
Não é honesto pautar-se unica e exclusivamente em discursos acalorados, por mais referenciais que sejam, para analisar uma situação. Não é digno olhar seu interlocutor como ignorante ou qualquer outra característica pejorativa só porque ele não concorda com você. Não é próspero ser agressivo quando a questão se mostra inócua - e chamo de inócua toda informação que não lhe afeta diretamente. Para quê discutir na rede ou compartilhar informações se é mais prático e efetivo auxiliar no possível?


Diante de cada adversário ideológico, lembre-se que ali está um potencial cliente. Se você tem o cuidado de não julgar previamente quem senta à sua frente para uma consulta, tenha a delicadeza de fazer o mesmo a quem se posiciona na contramão do seu pensamento. 
Cartomante: você é produtor de informações que mudam rumos, que mudam vidas. Não seja leviano e parcial. 
Com a mesma riqueza que você vai a fundo nas suas cartas, vá a fundo nas questões que chegam a você.

Ou as ignore. Ninguém é obrigado a atender cliente chato.
Mas não há por quê maltratar um coração ferido.
Abraços a todos.

Lâminas famosas e o naipe de Espadas.


Olá pessoal. Estou literalmente encantado pelo trabalho de Federico Mauro. Em suas coletâneas, aprendemos ou lembramos de personagens marcantes do cinema através de seus instrumentos. A coletânea que reproduzo aqui é a de armas brancas, mas temos ainda a de guitarras e a de armas de fogo
Foi bem divertido fazer isso. Mas... Você sugeriria uma combinação diferente? Veja no link se existe alguma que você trocaria e comente aqui embaixo! Vale comentar as armas que faltaram, também. 
Senti falta da Masamune. 


Um Ás para Excalibur, senhora das que vieram depois.


Um dois para uma Vendetta, colocadas em V.


Três para lightsaber, construído com a Vontade.


Quatro para Norman Bates e seu aparente equilíbrio.


Cinco para Joker e seu total desequilíbrio.


Seis para MacGyver e sua genialidade.


Sete para D'Artagnan e seus ideais. 


Oito para Gelo, derretida pelo fogo, Lamento de Viúva e Cumpridora de Promessas.


Nove para Jason, um pesadelo feito carne.


Dez para guilhotina, encerrando com misericórdia.


Jack Sparrow de andar oscilante, um Valete entre elas.


William Wallace para Cavaleiro, sem armadura e com coração.


Beatrix Kiddo para Rainha, dos estilhaços, pedaços e cortes dessa Corte.


Uma espada para o Rei Conan entre aqueles que se escondem nas sombras.

domingo, 20 de dezembro de 2015

Estudando baralhos como estudam-se obras de arte.


Uma coisa que eu gosto de reforçar é que, no estudo da cartomancia, devemos tomar as cartas na mesma acepção de uma obra de arte.
Mas como - e por onde - começar?
Reuni aqui algumas dicas para isso, baseadas nos artigos de Carolina Pignatari para o Canal do Ensino.


- Talvez, num primeiro momento, seja mais fácil fazer esse exercício com baralhos conhecidos, como o Marselha e o Waite. Baralhos mais complexos, como o Thoth, e temáticos, como o Vertigo, podem ser usados quando você tiver desenvolvido boa prática.
- Por um momento, esqueça o título. Observe a imagem com olhos de primeira vez. Busque detalhes que saltem aos olhos e detalhes não tão óbvios assim.
- Permita que a carta lhe impressione. Aceite essa primeira referência. Gostou? Não gostou? Esse primeiro sentimento é importante.
- Essa carta lhe lembra alguma coisa? Um filme, uma música, uma outra imagem ou obra de arte?
- Observe as bordas. As cartas se encaixam ou são independentes entre si? Você é capaz de construir um cenário a partir da combinação das cartas? (Experimente parear a Sacerdotisa com o 2 de Espadas do Waite Tarot. É um bom começo.)
- Observe as cores, tons, a técnica utilizada. Essas escolhas nos permitem entender aonde o artista queria chegar, e quais eram os seus limites. 
-Tente isolar os elementos da carta, para analisá-los particularmente. Da Sacerdotisa, por exemplo, o véu e o livro são fáceis de perceber. O que mais é possível isolar nessa carta?
- Observe a luz, sombra, volumes e rachuras. A imagem é "chapada" ou tem maior refinamento em sua composição? Como isso lhe afeta?
- Qual é a época em que o baralho foi produzido inicialmente? Como era a produção artística do momento? Uma boa dica é ver documentários sobre o período. Para se familiarizar, vale a pena fazer um curso de História da Arte.
- Use todas as informações até o momento para referenciar sua leitura da carta.
- Agora compare com algum livro de referência em cartomancia. Entretanto, perceba: antes de ir ao texto, você, por si só, já construiu o seu texto.
- Se possível, escreva o seu texto em seu diário de jogos ou mesmo em um blog. É sempre bom conversar com pessoas sobre os temas que lhe agradam, e essas conversas podem alterar drasticamente o rumo da sua visão das coisas.


Para ver os artigos originais, clique aqui e aqui.




quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Sobre a leitura. Ou: sobre como a leitura influencia todas as outras leituras.


Olá pessoal. Esses tempos, um respeitado estudioso de Xamanismo disse, em sua página no Facebook, que Coraline não era um livro para crianças. Ponto. (sim, ele escreveu "ponto".) Como a netiqueta - uma série de valores que vejo se perderem dia a dia nas redes sociais - me impede de discutir além do necessário na página dos outros, eu me calei (e meu silêncio nunca é consentimento) mas fiquei com aquilo na cabeça. Existem livros que não devem ser lidos? Quem pode me dizer o que eu posso, ou não ler? Quem pode impedir alguém de ler algo?
Bem, eu trabalho com imagens como textos. O tempo todo. Isso faz com que eu queira traduzir o mundo em palavras, ou o inverso: que eu tente traduzir palavras para imagens. Na verdade, se você lê algum oráculo, você também faz isso, e espero que, como eu, faça o tempo todo. 
É no cotidiano que aprendemos a interpretar o que lemos. Seja em livros, ou em cartas de baralho.
E então, tive a oportunidade de ler no ConversaCult um texto de um dos meus autores favoritos: Neil Gaiman. Que, inclusive, desde Coisas Frágeis, me deixou com vontade de ler o Tarô que ele prometeu (mas promessas de Neil Gaiman são como borboletas; você sabe que elas aparecerão em algum momento, mas até lá, é melhor cultivar mais flores). E Neil Gaiman defende a leitura. De qualquer coisa. A qualquer tempo.
Até leituras ruins nos levam a um bom lugar - o lugar do que gostamos tem por calçada tudo aquilo que deixamos para lá.
Então, como cartomante que sou, sou obrigado a concordar com Gaiman. Tudo o que eu li me preparou para ser o cartomante que sou hoje. Porque nos livros encontrei palavras que traduziam as imagens que eu captava ao meu redor, e ressignificando essas palavras e imagens, meu baralho se tornou mais preciso e próximo daquilo que é ideal: a capacidade de, com empatia e comedimento, tocar as dores e feridas do outro para, se não curá-las, ao menos dizer que elas estão lá.
Tem muita gente que passa pela vida sem perceber o quanto dói carregar escaras que ninguém mais vê.
Dá uma passada no ConversaCult (o texto a que me refiro está nesse link aqui). Leia e me diga se concorda com Gaiman como eu. Depois me conte.
Abraços a todos. 
Sobretudo, aqueles sem preconceitos literários.

sábado, 12 de dezembro de 2015

Trinta e seis bênçãos do Petit Lenormand.

Eu gosto muito de postar cartas. Acho uma gentileza, um carinho e uma atenção que estão sendo perdidas em função da velocidade da contemporaneidade. Entretanto, cartas são vias de mão dupla; muitas vezes, perdemos o contato, perdemos o endereço, perdemos a vontade de mantermos uma comunicação manuscrita, quando podemos enviar um e-mail ou comunicarmo-nos pelas redes sociais.
Esse mês, resolvi fazer uma pequena brincadeira com os meus amigos. Prometi uma carta para aqueles que me enviassem os seus respectivos endereços. A verdade é que não seria uma carta qualquer; abri um Baralho Para Ver a Sorte e, a cada endereço enviado, eu embaralhava as cartas e a carta que aparecia era a carta que eu enviava, como um desejo de feliz ano novo. Mas confesso que foi desafiador, mais do que parecia à primeira vista. Como enviar uma serpente? Como enviar um Caixão?


Entretanto, a cada carta se mostrava, como não poderia deixar de ser, adequada ao seu destinatário. Cabia a mim, nesse processo, encontrar a bênção adequada. Conforme minhas conversas com a Tânia Durão - e foram várias - podemos extrair sim coisas boas de cartas ruins, o que se mostra inevitável; tragos amargos também trazem cura. E eu aceitei o desafio de enviar bênçãos a partir dessas cartas também. 


A cada carta que chegava, eu via o quanto essas bênçãos eram de mão dupla. Eu percebia a felicidade do recebedor e ela passava a ser minha também. E eu percebi o quão importante é percebermos os bens que podemos ter a partir de todas as cartas.
Foram trinta e seis bênçãos do Petit Lenormand. 
Trinta e seis vezes que fui abençoado também. 
Abraços a todos.