quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Fidelidade e Falsidade nos Sibillas Italianos

Vera Sibilla Italiana

Olá pessoal. Gostaria de falar hoje sobre duas cartas dos Sibillas italianos (do qual o Sibilla della Zingara é o mais conhecido por aqui): a Falsidade e a Fidelidade. A primeira, representada por um gato; a segunda, por um cão.


Tudo é uma questão de ponto de vista. Será? Estamos lidando com um oráculo e, por uma questão de funcionalidade, se a imagem não se aplicasse adequadamente ao conceito, não seria mantida. Em simbologia, sobrevive o símbolo mais facilmente decodificado pela interpretação corrente.


Segundo Cesare Ripa, em seu Iconologia, de 1593, a Fidelidade é representada por uma
Mulher vestida de branco, segura uma chave com a mão esquerda  e tem aos pés um cachorro. A chave é indício de sigilo, que deve ser tomado em coisas relativas à fidelidade da amizade singular de natureza instintiva que o cão significa, como já disse em outras ocasiões.*
Cartes Italienne

A força da imagem do cão como símbolo de fidelidade é evidente (inclusive, num diálogo imagético direto, já falamos sobre ele quando falamos da carta 18 do Petit Lenormand). Temos agora um problema em relação aos gatos. 

Cartes Italienne

Os gatos, em especial os pretos, são relacionados à bruxaria, à magia, aos aspectos ocultos do inconsciente, ao azar e ao demônio. Deve-se benzer o corpo, manda a cultura popular, quando um deles cruzar o seu caminho.


Superstições atributivas. Mas, pensando bem, eu ouvi tantas vezes o demônio ser chamado de Cão... e isso não alterou em nada seus aspectos luminosos de fidelidade e lealdade. Tem mais coisa aqui para vermos.

Flóra Borsi

Conforme o dicionário de símbolos de Jean Chevalier e Alain Gheerbrant, 
O simbolismo do gato é muito heterogêneo, pois oscila entre as tendências benéficas e as maléficas, o que se pode explicar pela atitude a um só tempo terna e dissimulada do animal. (grifo meu)
Dissimulação. Conforme o Dicionário Michaelis,
dis.si.mu.la.ção


sf (lat dissimulatione) 1 Ato ou efeito de dissimular. 2Fingimento, disfarce, falsa aparência. Antôn: franqueza.

Se falsidade é um adjetivo, dissimulação é uma habilidade. Aprende-se a ser de acordo com a necessidade. Agora, falsidade também é um ponto de vista; ser falso é, normalmente, uma tentativa de obter vantagens ou diminuir os danos em determinado evento. E existe também a possibilidade de se estar sendo falso em função ou a favor de alguém ou alguma coisa. Todo disse-me-disse tem um (ou mais) interessados que a informação confidencial chegue à algum lugar.

Gatos também são oportunistas. Em sua independência, estão sempre prontos para o inesperado, sem nenhuma expectativa.  Sob uma aparência indolente, está guardada energia para saltos cinematográficos e fugas espetaculares - o pulo do gato.



E não é isso que se espera de uma pessoa falsa, oportunista? Que ela seja surpreendente? A confiança é totalmente previsível. A desconfiança é um universo de possibilidades. E se tem algo que se pode dizer de gatos, é que são seres completamente imprevisíveis. Mas cuidado: quem não gosta de gatos, pode vir como ratinhos na próxima encarnação... (fonte



Conversando com a Giane Portal, que ama e entende de gatos como ninguém, recebi a seguinte perspectiva sobre a carta Falsidade, a partir do seu representante:
Os gatos não são imprevisíveis, são sutis. Não é um latido que denotará a ameaça... São pupilas dilatadas, a posição do corpo, entre outros sinais... Não é algo tão inesperado assim um ataque, se você souber ler os sinais. E justamente aqui está o ponto, a questão que faz o gato ser associado com a falsidade, talvez: A dificuldade das pessoas de perceberem esses sinais mais sutis, e encarar como “eu estava fazendo carinho, e do nada ele me arranhou”, dando a impressão de que o gato só estava esperando a “pobre vítima” se sentir confiante e vulnerável para atacar malevolamente e realizar sua "natureza traiçoeira"; então, como o gato já é uma animal MUITO castigado, vitima das maiores barbaridades e torturas, simplesmente por ser GATO, todos esses simbolismos que com razão você afirmou - o símbolo só se mantém na tradição porque as pessoas se identificam com ele - ajudam na realidade a reforçar um preconceito que pode acabar tendo consequências mais sérias: As pessoas sempre procuram algo para descarregar seu ódio. A principal questão aqui é cultural: dependendo da cultura, gatos trazem "muita sorte" ou "muito azar" - não são os gatos, que efetivamente, trazem sorte ou azar. São atribuições supersticiosas  ou folclóricas que acabam desenvolvendo uma mentalidade simbólica de acordo com a região em que são originadas. No Japão, por exemplo, jamais uma Sibilla com essa simbologia teria sido desenvolvida.  
Complexo o tema. Necessário um olhar particularizado sobre o baralho e amplo em relação à simbologia, para evitarmos equívocos interpretativos. Em última análise, devemos nos ater aos naipes - que norteiam a elaboração dos conceitos imagéticos em toda a cartomancia - para entendermos tais perspectivas. Mas isso é assunto para outra conversa.
Abraços a todos.

* No original: Donna vestita di bianco, con la sinistra mano tiene una chiave, & alli piedi un cane. La chiave è inditio di secretezza, che si deve tenere nelle cose appartenenti alla fedeltà dell'amicitia il che ancora per singolare instinto di natura la fedeltà significa per il cane, come si è detto in altre occasioni.

14 comentários:

  1. Que decepção...e eu que acreditei que você seria mais inteligente percebo que é semelhante ao citado gato...imprevisível e dissimulado. Como ousa falar dos gatos, se o faz decerto não os conhece portanto é tão mesquinho em suas colocações que retiro as bençãos que te desejei anteriormente. Estou chocada com suas colocações. Pulha.

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    1. Oi Anônimo, tudo bem? Creio que não fui claro em minha exposição. Eu estou falando de uma carta de um baralho, a partir de uma escola de cartomancia, não dando uma opinião pessoal. Eu me questionei muito sobre o que os italianos achavam dos gatos quando propuseram essa atribuição, e o motivo pelo qual ela se perpetrou - o conceito de falsidade poderia ser aplicado a qualquer animal, por que justamente os gatos? Lembremo-nos que os gatos não são unanimidade nem em relação às pessoas, que dirá em relação aos grupos humanos de onde a simbologia provém. Não entendo o motivo pelo qual sua revolta lhe faz acreditar que 1. essa seja minha opinião pessoal sobre gatos (não, não é, eu tenho uma relação muito legal com gatos); 2. eu seja menos inteligente por pesquisar a linha de raciocínio que norteia uma atribuição, ao invés de considerá-la adequada ou inadequada, tacitamente. Contudo, sua indignação tem sua razão de ser, e eu procurei auxílio com uma pessoa de minha inteira confiança no que concerne ao tema. O texto foi alterado, mas em nada modifica a proposta inicial, que é entender o motivo pelo qual um animal como o gato pôde ser correlacionado com a falsidade. E o resultado final é: se as cartas lhe ofendem, só não utilize esse baralho, simples. Viva e deixe viver, Anônimo. Mas, de qualquer forma, muito obrigado por me levar a refletir e questionar pontos do texto.

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  2. Parabéns pelo texto, Emanuel!! Maravilhoso! E parabéns pela sua elegância em tratar o "Anônimo" aí acima, também!

    Confundir uma análise de um baralho com a opinião pessoal do escritor é, no mínimo, um equívoco, e vc bem que poderia ter ignorado ou deletado o comentário sem mais, e ainda teria razão, mas vc demonstrou uma finesse e inteligencia sem par! Parabéns!! :))

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  3. estou de passagem em seu blog, entao.. pensando no texto , posso ate mencionar que a questao do gato ser visto na italia como um ser infiel , notamos a forte crença crista que consequentemente nao é pq se trata de um "taro" que na encontrariamos esse tema, ja que as pessoas julgam a carta do "diabo" algo ruim, nao vejo uma carta como algo apenas ruim ou bom analiso ela por inteira, pra mim seria uma forma menos ligada a valores bem /mal , anjos / demonios,.
    nao me surpreendo encontrar esse conceito tao predominante. e principalmente na italia nao seria diferente. rsrs
    bem: deixo uma minima parte da minha opiniao.. compreendi o seu raciocinio e o texto, afinal texto é texto .. nossa opiniao e outra coisa.
    att cynthia _) cynthiafabrine@hotmail.com

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    1. Oi Cynthia, seja bem vinda. Existem "n" motivos que podemos apontar para a atribuição negativa dos gatos, mas é um equívoco tirarmos, inicialmente, a imagem do contexto em que foi produzida e trazer aos dias atuais com uma interpretação que não respeita sua origem. Originalmente, citando seu exemplo, o Diabo é ruim, sim; a experiência de inúmeros cartomantes demonstrou que ele não é tão ruim, assim. Mas não podemos perder de vista seu significado original, ainda que possamos ampliá-lo.
      Fico muito feliz com sua participação nessa conversa, esteja à vontade para participar mais vezes.

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  4. Caro Emanuel. Desnecessário se faz editar o texto. Ele é sua propriedade. Cabe aos interessados (ou curiosos) ler e interpretar, se ainda possível este exercício ao leitor/espectador ou interessado no tema. Abraço. Silvia .

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    1. Oi Silvia. Ainda que o texto seja meu, eu acho importante ouvir opiniões. Evidente que posicionamentos disparatados não merecem atenção; mas a questão dos gatos, em relação à Cartomancia, é algo pouco claro, ainda, pelo menos para mim. Estou ainda engatinhando nessa simbologia tão rica e tão vasta. E, porque não, heterogênea também. Creio que a opinião anônima inicial tenha sido um equívoco, mas não posso negar que ela expandiu enormemente as perspectivas e possibilidades interpretativas do texto. É sempre boa a partilha que provém dessas Conversas Cartomânticas.

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  5. Emanuel adorei seu texto. Acho incrível ver como os Arcanos podem ser analisados em tantas facetas, e voce faz isso com maestria e graça.
    É nisso que dá juntar o "Historiador" com o "Cartomante", nós é que saímos ganhando com tamanha criatividade!
    Vu achar todos os posts de Sibilla do Blog e fazer um leitura para melhorar minha visao desse deck lindo.
    Bjus e mta paz!

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    1. Oi Sonia! Muito obrigado! Eu fico muito feliz com o resultado das postagens, e claro, mais feliz ainda com seu carinho, que você bem sabe, de minha parte é recíproco à sua pessoa. <3
      Eu escrevi pouca coisa, ainda; sobre o Mercador (aqui: http://conversascartomanticas.blogspot.com.br/2012/01/o-oraculo-da-cigana-um-curioso-baralho.html); sobre a Fidelidade e a Falsidade (aqui: http://conversascartomanticas.blogspot.com.br/2012/09/fidelidade-e-falsidade-nos-sibillas.html), uma ilustração do fim da vida de Napoleão (aqui: http://conversascartomanticas.blogspot.com.br/2012/08/napoleao-cartomancia-e-estudos.html) e agora, sobre a Morte e a Doença. Pretendo escrever mais; mas preciso, também, jogar mais. As nossas sessões de conversas com a Odete tem me sido muito inspiradoras; vou começar uma prática mais constante.
      Um grande beijo!

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  6. oi Emanuel, coloquei meu comentário mas sumiu, acho que o gato comeu! rsss...depois vc ve se foi ou não!

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    1. O gato comeu, mesmo! Mesmo tendo publicado ontem, só consegui comentar hoje! Idiossincrasias do Blogger!

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  7. Quantos pontos de vista interessantes! Interessantes pontos de vista! alargar os horizontes para as infinitas possibilidades a partir de nossa percepção. O que é leve para você? Qual a diferença de um gato para uma cobra? A cobra é mais falsa? Sem julgamentos... Apenas para a reflexão, quanto as ofensas desnecessárias. Apenas mais um ponto de vista

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    1. Se você ler o Sibilla Húngara - tem uma edição bem bacana da Piatnik - verá que nele tanto a cobra quanto o gato estão em combate na carta da Falsidade.
      Quem vencerá?

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Quando um monólogo se torna diálogo...