sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Para o entendimento da carta 26 do Petit Lenormand.


A carta 26 do Petit Lenormand é representada por um livro (ou grupo deles), corresponde ao Dez de Ouros e seu poema diz (CartaMundi em inglês, tradução livre): Um segredo está / escrito nesse livro. / Vamos tentar descobri-lo / olhando as [demais] cartas atentamente.
Para isso, nada melhor que acompanharmos As Memórias do Livro, de Geraldine Brooks.




Da Espanha de 1480 até a enfraquecida Sarajevo de 1996, um livro sagrado de valor incalculável é caçado por fanáticos políticos e religiosos. Seu destino está nas mãos de uma talentosa conservadora de livros a charmosa protagonista Hanna, e sua recuperação resulta em um mistério histórico arrebatador.
Quando Hanna é chamada a Sarajevo para examinar o Hagadá, um código judaico do século XV que havia desaparecido durante a guerra da Bósnia, ela não pode acreditar que um documento tão maravilhoso estava preservado depois de tantas guerras e tanto preconceito. A partir de pistas encontradas no próprio manuscrito uma asa de inseto, manchas de vinho e um pêlo branco Hanna desvenda uma série de enigmas fascinantes e reconstrói as memórias do livro. E o resultado é um verdadeiro épico, uma corrida contra o tempo para revelar o passado e dar espaço à crônica da história do livro, enquanto Hanna procura a cura para uma criança vítima da intolerância da guerra, um amor impossível, sua própria identidade e proteção: do Hagadá e de sua própria vida. (Fonte: Skoob)


Conheci esse livro quando cursava o curso de conservação e restauro de bens culturais (FAOP). Dialogava diretamente com o ofício de restauro de papel, e na época eu trabalhava com um missal. Mas não imaginava que o livro fosse me tocar tanto, nem que fosse dialogar com a Cartomancia. Contudo... Encontramos os melhores diálogos no cotidiano, quando menos esperamos. E ler cartas pede leitura constante, não só delas. Leia aqui uma resenha d'As Memórias do Livro no Lendo.org. A Livraria Cultura disponibilizou o acesso a alguns capítulos, à guisa de degustação. Experimente aqui.




Eu sempre me questionei os motivos que levaram aos autores do Petit Lenormand a correlacionar o Livro com segredos.
O livro é um registro. E estamos falando de um período em que ser letrado era sinônimo de ter poder, ou de pertencer, ao menos, a uma classe de poder. Mas o livro também é comunicação – há livros para os outros lerem, há os livros para o autor apenas ler, refletindo sobre o seu passado. Mas todo livro pressupõe um leitor.



É estranho, para nós, homens e mulheres do século XXI, tendo acesso a tantas mídias, pensarmos no livro como um segredo. Hoje contamos com tantos instrumentos para produzir e guardar informação, que por vezes nos esquecemos que essas mídias são deveras recentes. Não mais que quinze anos atrás, utilizávamos ainda disquetes, fitas cassetes, máquinas fotográficas tradicionais, com filme, eram a opção mais viável, VHS convivia pacificamente com os DVDs nas locadoras, 32 bits eram um sonho de interface nos videogames... Contudo, pensemos nos diários do século XIX, o espaço de intimidade e sonhos das mulheres, em busca de uma identidade ainda em construção. 



Da mesma forma, pensemos que, para um analfabeto, o código ali escrito não lhe esclarece nada, ainda que esteja claro para um leitor alfabetizado. Ou mesmo que não analfabeto, um livro em outra língua traria o mesmo problema. Então, aqui o segredo corresponde a não compreensão de um código específico, ou mesmo uma informação pertinente que encaixa as pedras no tabuleiro ainda não chegou ao consulente. Os “conhecimentos que desvendam segredos”.



As grandes religiões monoteístas do Ocidente são religiões do livro. O Judaísmo possui a Torá; o Cristianismo, a Bíblia; o Islamismo, o Corão. Os livros garantem que o texto original não seja perdido – ainda que permitam a interpretação dos mesmos por seus sacerdotes. A interpretação, contudo, se adequa à época, ao grupo que lê, à forma como o sacerdote apresenta o texto. O texto não muda, e se permite novas leituras e interpretações futuras – algo mais complexo se estivéssemos lidando com uma tradição oral. Talvez por isso, ou justamente por isso, na iconografia cristã, o livro é o atributo de todos os Santos Doutores da Igreja.



Saber ler e escrever era tão importante que haviam profissionais específicos para lidar com a escrita: copidesques e escrivães. A escrita, inclusive, foi elevada ao status de arte no medievo pela Igreja Católica, com as iluminuras de seus livros. Talvez por isso essa carta também tenha sido correlacionada com a profissão. Nessa carta, vemos o trabalho do consulente, o emprego, os negócios; investimentos veremos na carta 34.



Dessa forma, quando sai num jogo, o livro aponta para questões que demandam maior entendimento e questionamento daquilo que se sabe atualmente. 



Se vocês prestarem bem atenção, conversamos até agora apenas sobre os Dez de cada naipe. O que essas cartas tem em comum? O que as diferencia? Conversemos sobre isso no curso de Petit Lenormand que darei no Rio de Janeiro.
Em tempo: Pepi Valderrama lançou seu Mystic d'Époque Petit Lenormand. Para baixar uma versão de avaliação, clique aqui.
Abraços a todos.

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Quando um monólogo se torna diálogo...