domingo, 26 de agosto de 2012

Do poder das palavras.




Olá pessoal. Eu sempre me ative, aqui no Conversas Cartomânticas, às questões prementes à imagem. Cartomancia é imagem, é interpretação de imagens. É observação e educação do olhar ao que as imagens trazem.
Mas há que ser dito algo sobre a palavra. Porque, se bem refletirmos, de nada adianta uma imagem que não é entendida. Que não se faz inteligível. E, para entendermos e conversarmos sobre a imagem, demandamos... palavras. Aquelas mesmo que diz-se terem poder (para além do poder que de fato tem).
Senão, by the way, eu não teria um blog. Talvez um fotoblog. E ele falaria por si só. Mínimo esforço, máximo efeito.
Só que conversar, a proposta principal desse blog, demanda palavras. Várias. Vocabulário vasto ao gosto do freguês conversador. Só por isso já se justificaria falar sobre palavras. Mas aplicadas ao cotidiano do cartomante, ainda há o que dizer.
O conceito de uma carta se dá por alguns agrupamentos específicos que, combinados, e aplicados ao momento da consulta, geram efeitos, o que costumeiramente dá-se o nome de interpretação. Tão singulares que, ainda que sejam as mesmas imagens há séculos, de acordo com o oráculo utilizado, ainda se mantém contemporâneas – embora paradoxalmente vintage.
O primeiro agrupamento, e mais importante, é o das imagens. Delas haurimos o principal referencial interpretativo. Leonardo Da Vinci se vangloriava, com razão, de em uma tela colocar o que um poeta demandaria páginas e páginas para descrever. Observar uma tela do Bosch faz chegarmos à mesma conclusão. Uma imagem é captada com uma riqueza de detalhes simultâneos que chega a assustar... ou encantar. 
Há os números. Ordenam a série. São significáveis e interpretáveis. Mas, por alguma razão, suas ideias não são compartilhadas com unanimidade. Existem discrepâncias. E explicações que minimizam as discrepâncias. Mas elas ainda estão ali, e não tocaremos nelas por enquanto, e não esperamos consenso em momento algum quanto ao tema.
E existem os nomes. Ao contrário das imagens, que são universais – você pode até não entender o que significa uma imagem, mas esforçar-se-á para atribuir-lhe um significado – os nomes são oriundos de um idioma específico, que nem sempre é o que você possui (como as Runas, por exemplo, um alfabeto oráculo, ou o alfabeto hebraico, muito utilizado em algumas escolas de Tarologia). Mas ainda assim os idiomas são específicos em sua descrição. Uma cadeira não é uma carteira, a chair is not a hair. Rimam, mas não coadunam. São diferentes, são específicos. Ainda que sinônimos sejam de uma utilidade tremenda, quanto mais se conhece da linguagem, menos os usamos. Uma coisa é uma coisa, e não outra coisa que soaria como se fosse à primeira vista.
E, principalmente, os nomes são mnemônicos. A partir do nome, rememoramos a imagem. Se eu digo Monalisa, o quadro lhe virá à mente, instantaneamente. Você pode não ser capaz de descrevê-lo minuciosamente, mas saberá que não é, por exemplo, uma Madonna. A menos, claro que não o conheça; serei obrigado a descrevê-lo para continuarmos conversando. (By the way, já conversamos sobre a Monalisa aqui
Da mesma forma, se eu digo Mago, o Arcano I, com todos os atributos que você conhece, será lembrado com riqueza de detalhes. Se não os conhece, eu terei que fazer o trabalho dos livros de Tarô e dos professores da Arte – descrever suas minúcias e perspectivas interpretativas.
Para isso, as palavras são fundamentais. Evidente. E eu preciso, se quiser uma interpretação precisa, ser preciso. Três vezes “preciso” na mesma frase, três significados diferentes para uma mesma cacofonia. Sinônimos, por favor.
Por isso os livros de Tarô, e por isso não existe uma obra definitiva. Cada autor, a partir do mesmo conceito imagem + titulo + numeração irá fazer suas referências, tecer seus sinônimos, construir sua linha de raciocínio que busca uma coesão com o todo. Quando o Mago sair na jogada, ele será único. Não poderá ser confundido com o Diabo. Ainda que dialoguem (ambos de pé, ambos em suas respectivas tarefas). Nem com o Sol, ainda que 1; 19 = 1 + 9 = 10 = 1 + 0 = 1. 
Até mesmo nessa unicidade há o que dizer. Mesmo que saia duas, três, quatro vezes em uma mesma consulta, o Arcano acresce, não repete. Que palavras mais podem representar a mesma imagem em situação diversa, porém dialogante?
 Ler muito é fundamental nessa hora (e em todas as demais). Cada autor buscará descrever, a partir de sua vivência, experiência, estudos e vocabulário, aquilo que experimentou no trato com cada uma das cartas. E é do crescimento do nosso próprio vocabulário a partir dessa leitura é que seremos capazes de entender o que o Arcano quer dizer.
Espera-se, portanto, um mínimo domínio da linguagem para assim proceder. Ler Tarô é uma arte interpretativa. Não sei a que nível alçar escrever sobre Tarô. Um pouquinho mais alto, talvez. Porque para me levar a ver aquilo a que desejo Ver, o vocabulário tem que ser amplo, ainda que preciso. 
Parafraseando Gertrude Stein, uma rosa é uma rosa é uma rosa, mas não é Universo (Arcano XXI), nem Ramalhete (carta 09).
Deixemos de tautologia... E estudemos um pouco mais.
Palavras tem poder. Específico e intransferível.
Abraços a todos.


Não se esqueça: Estarei, entre os dias 6 e 7 de outubro, no Rio de Janeiro oferecendo um curso presencial de Petit Lenormand para o cotidiano. Vale a pena. E, caso goste do que lê por aqui, adquira o livro Conversas Cartomânticas: Da escolha do baralho ao encerramento da consulta

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