segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Conversas Cartomânticas: Um baralho para chamar de meu.

Quatro de Paus
Albano Waite

Olá pessoal. Recebi dois comentários em postagens distintas, e, dada a natureza dos mesmos, acredito que seja melhor respondê-los juntos, e conversando com vocês. A Cacá disse: 
"Oi, Emanuel: Sempre tive muito fascínio por tarôs, tenho vários: Baralho Cigano, Tarô dos Anjos, Tarô Mitológico e outros. Gostei do teu blog e a minha dúvida é: Sendo apenas uma estudiosa do assunto, posso ler carta para outra pessoa? e qual baralho vc me indicar para que eu possa realmente ¨ler¨uma carta de verdade? Um abraço"
E o Junior disse, na postagem sobre o Guia de Tarô:
"Gostaria de saber se o livro é bom para quem começa o aprendizado"
Acho pertinente explorarmos as duas questões como se fossem uma, já que, em essência, são. Como começar, e por onde?
Nei Naiff publicou um excerto da revisão de sua trilogia (recomendadíssima, inclusive) no grupo Tarologistas, que merece ser citada aqui. 
Tarotista é a pessoa que usa o tarô para fins taromânticos — nem todo tarólogo é um tarotista, e nem todo tarotista é um tarólogo. Encontramos ótimos tarotistas usando a vidência ou que raramente estudaram o assunto; então, não podem ser tarólogos, pois sequer sabem da história (documentada) da cartomancia ou da estrutura do tarô. Há bons tarólogos que conhecem perfeitamente as cartas e sua história, mas nunca jogaram profissionalmente — digo daqueles que jamais atenderam desconhecidos, cobraram pela consulta ou que nunca tiveram a coragem de jogar sequer para a família ou amigos — estes, também, não podem ser considerados tarotistas. E ainda existem aqueles que não são nem um nem outro, são apenas estudantes ou entusiastas. Mas nada disso invalida ninguém, uma vez que tais desmembramentos existem em qualquer área: nem todo advogado pode ser juiz, nem todo médico é cirurgião, nem todo ator consegue cantar. Portanto, cada um possui um dom ou a falta de oportunidade para uma prática efetiva; em todo caso, creio que são necessárias ponderações, visto que o mercado esotérico se expandiu muito nas últimas décadas e nem todos estão aptos ao ensino ou ao atendimento (presencial ou on-line).
NAIFF, Nei. Tarô, simbolismo e ocultismo (volume 1 da trilogia dos Estudos completos do tarô), Nova Era.

Então, antes de qualquer investida nesse ramo, é bacana pensar aonde se quer chegar. Você quer ser mesmo um cartomante, ou só saciar uma curiosidade? E, se seu desejo for pelo Tarô, você deseja se tornar um tarólogo ou tarotista, ou ainda ser os dois? Evidentemente, haverão acidentes de percurso e mudanças de rota que nos direcionarão para o melhor caminho dentro da nossa experiência.
Sabendo disso, de quão grande é sua paixão para transformar a leitura de um livro acompanhado de algumas cartinhas um hobby ou, para além disso, uma profissão, fica mais fácil irmos adiante nessa proposta.
Um detalhe que é importante ressaltar, mesmo. Ser cartomante não pressupõe jogar Tarô e nem obriga o estudante a enveredar por ele. Para jogar as cartas comuns e o Petit Lenormand, não precisamos conhecer nada de Tarô - talvez, por contraponto, sua história, não mais que isso;  é importante resistir à tentativa globalizante de correlação de tudo com tudo. Nem tudo combina, relaciona, reafirma, contrapõe, simboliza, representa, explicita algo pelo puro desejo do cartomante. O que, por ser limite, abre um horizonte confortável de possibilidades. Imagine... Relacionar tudo com tudo... então tudo pode ser... tudo! E, se tudo é tudo, o que está fora de tudo? E, se eu posso jogar tudo, para quê vou comprar um baralho caro se posso fazer tudo com um baralho baratinho de lojas de conveniência?
Dadas essas ressalvas, escolha seu baralho. Que seja de uma marca boa, para que ele dure, que tenha uma impressão de qualidade, que o tamanho dele se ajuste bem às suas mãos, que ele seja iconograficamente agradável. Até aí, a escolha é puramente material. 
Depois de escolher pela perspectiva material, passe para a perspectiva interpretativa. Os significados básicos do Tarô já são encontrados em diversos manuais e textos por aí. Mas é o diálogo entre o cartomante e os detalhes de seu baralho que fazem que o oráculo seja tão efetivo. Então, procure referenciar-se adequadamente. Leia os livros que acompanham os baralhos, mas não se restrinja a eles. No caso de um Waite-Smith, por exemplo, leia o The Pictorial Key do Arthur Edward Waite. Ele se propôs a orientar a Pamela Colman Smith na elaboração das imagens, logo ele é a melhor referência inicial, não importa quantos comentadores tenha tido desde então (e foram muitos, muitos mesmo). Nesse caso, o Tarô Mitológico é uma das melhores obras iniciais, porque é um livro profundo que acompanha um baralho bonito e explicativo da iconografia proposta. Mas, reitero, é uma das melhores obras... iniciais.
Ok, ok. Já escolheu seu baralho, já leu o livro, bora jogar, não é? Não.
Olhe as imagens. Observe-as. Faça anotações. O que você leu no livro corresponde ao que você vê? Se corresponde, ótimo. Se não, por quê? Talvez te remeta a um evento ruim do seu passado. Talvez alguém tenha dito que aquela carta é encardida. Talvez o próprio livro a referencie como a "pior" carta do Tarô. E aí? Você concorda, quando olha a imagem? Ou só repete o que está no livro?
Jogue para você. Correlacione as imagens e forme frases. Deixe as frases fluirem como uma conversa. Esqueça a fórmula sistema+carta+casa=significado. Haverão momentos em que ela será necessária, mas não agora. Converse com as cartas, deixe que elas conversem com você. Três cartas na mesa: ao invés de pensar em passado/presente/futuro, olhe a história que elas descortinam e tente descrevê-la. Ela é sua previsão, e ela vai funcionar para você. 
Memorize ou anote. Você é seu melhor termômetro de acertos. Seus feedbacks vem através de fatos. 
Epicurean Tarot, verso

E, agora sim, jogue para os outros. Convide alguns amigos para um chá, um café, um pudim (não gosto de bebidas alcoolicas para jogar, creio que a conversa desanda no meio do processo e isso não é bom). 
Três cartas para cada um, vejamos que historinhas se descortinam. Existem perguntas a serem feitas? Responda. Não sabe a resposta? Avise. Anote as cartas, espere alguns dias. As decorrências apontarão para significados que não estavam explícitos no livro, mas implícitos no ritual.
Para aqueles que estão em São Paulo, a experiência da Pietra di Chiaro Luna, o Chá de Tarot, pode ser extremamente reconfortante. Existem outros como nós, dispostos a crescer conosco, compartilhar experiências e significados. E, evidente, sempre é bom fazer novos amigos. Recomendo.
Ah, não é pecado nem ausência de compaixão não jogar Tarô quando não se está a fim. Você não é obrigado a atender ninguém por prévias combinações cármicas que lhe trouxeram a esse planeta. 

Sol
Soprafino

E assim vai-se crescendo na Arte. Nosso baralho passa a ser, efetivamente, nosso, no sentido de parte de nós. Então, respondendo sua pergunta, Cacá, qualquer baralho de qualidade - e você tem uns bons! - pode ser utilizado para a leitura. O importante é o seu preparo e a certeza de que, se não ver nada nas cartas, vai dizer que não viu nada e não se sentir culpada por isso. Treino nessa hora é fundamental. Chame os amigos descompromissadamente. Jogue para eles, melhor ainda se eles também jogarem e quiserem jogar para você. Caso você queira um desenvolvimento mais rápido, existem cursos. Diversos profissionais, assim como eu, se propõem a oferecer cursos presenciais ou online. Pesquise seus perfis, currículos, entre em contato, peça referências, cronogramas. Bons professores são confiáveis.
E, Junior, não, o livro não é bom para começar o aprendizado; tenho sérias dúvidas se ele lhe auxiliaria mais que lhe atrapalharia. Uma das prerrogativas para assumir um baralho como seu é ter os seus detalhes como preciosidades, e um dos detalhes mais preciosos do Waite-Smith é a troca da Força pela Justiça, XI por VIII. Essa edição rompe com essa ideia, de forma tácita, sem explicar os motivos de utilizar uma iconografia que, se não atende aos propósitos da autora, não deveria ter sido utilizada. Além do mais, os Arcanos Menores pertencem ao Jeu de Tarot, sendo que o baralho possui as 78 cartas! Foi produzido um híbrido de maneira desnecessária e tácita. Não considero esse livro bom para começar sua caminhada não. Eu me divirto com ele porque o Jeu de Tarot é lindo. E é só.
Sugiro, entre os baralhos de destacar, as edições do Curso de Tarô do Nei Naiff (Marselha), o Tarô de Thoth do Johann Heyss (Thoth Crowley-Harris), a tradução da Ediouro do The Pictorial Key (Waite-Smith). Se você, como eu, não gostar de destacar cartas, sugiro o Tarô Mitológico, da Liz Greene e Juliett Sharman-Burke (atualmente publicado pela Madras), os baralhos da Artha Editora (Marselha e Waite). Tem uma edição do Antigo Tarô de Marselha, de Nicholas Conver (Pensamento), que também é bem legal, ainda que eu esteja acostumado com o padrão Grimauld - para o qual aponta o livro do Carlos Godo, da mesma editora.
E é isso. Tomemos posse de nossos baralhos.
Abraços a todos.

6 comentários:

  1. Manu, pra variar, excelente!
    Fiquei rindo aqui, pensando "quando começamos a enumerar tudo que é preciso para passar de amador a profissional, creio que 90% dos interessados desistem..." rs Ou não... e se tornam profissionais sem respeitar todo o longo processo, o que é pior :P
    super-beijo!

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  2. Sempre tive fascinação por Oráculos, queria ler um de qualquer maneira, meu 1º Mitológico não falava comigo de jeito nenhum... e então vieram as Runas.
    Mas o desejo e a paixão pelos decks não me deixaram desistir... até q na Confraria encontrei o Archeon Tarot... um tarot q falou comigo desde a primeira tirada, finalmente achei um deck pra chamar de meu ...rsrsrs... admiro a forma profissional como você trata o assunto. E por isso me denomino apenas como uma "Amante do Tarot" será q serve??? rsrsrs
    Amei o post... Bjo imenso!

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  3. E devo dizer q após aquela nossa conversa minha percepção sobre mim mesma quanto Tarologista se expandiu... E sim nem sempre devemos ser e permanecer sendo o que pode ser mutado!

    Gratíssima amado!

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  4. Olá Manolo... Pois então o texto, é incrível. Muito útil e esclarecedor, um verdadeiro divisor de águas para quem está com um pé de cada lado da linha (não bastassemos estar na lunação de Libra rs).
    Compartilharei minha experiência com o tarot: Eu quando compro/ganho um baralho novo faço um exercício relativamente simples, vou tirando a carta do dia e mentalmente registrando os efeitos daquele dia; para os mais organizados e precavidos, anotar num livro de anotações do tarot seria uma excelente prática. Eu tenho um caderno aonde anoto, métodos e as 1ª tiragens que fiz, assim como aqueles que analisarei depois ou que muito me marcaram. E claro dou tempo para que os desdobramentos aconteçam, e uso diversos métodos para coadunar impressões (que normalmente se revelam por linguagens diferentes mas sempre como pano de fundo a mesma temática, como se fizessemos uma revisão no texto).

    Um abração, adorei o texto!

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  5. Oi, Emanuel,obrigada pela resposta, você foi muito sério nas respostas, gostei.Desde já te garanto,só vou ler para outras pessoas depois de pronta.Por hora quero quero estudar e aprender primeiro.Gostaria de ser uma ótima cartomante.Te
    nho facilidade com o Baralho Cigano,desses bem simples.E o Tarô Mitológico da Celina Fioravanti, Editora Pensamento,as cartas são lindas, ele é mais complexo, mas me atrai também.O outro Tarô é do Nei Naiff, é bonito também, então fico sem saber direito por onde comçaer.Mas agora com as tuas explicações ficou mais fácil( ? ). A seriedade aumentou, não é? Se entendi bem, o que você escreveu,você está me aconselhando a começar pelo mais simples, talvez o Baralho Cigano? É o que vou fazer.
    Mais vez muito agradecida pela gentileza de ter me respondido.Agora me tornei uma seguidora do teu blog.
    Como são os teus cursos on line? Quero saber a duração, o preço, qual o material? Enfim todas as informações.Um abraço.

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  6. Oi Cacau! Pois é... Não é de um dia para o outro que nos profissionalizamos. Mas parece que foi ontem que eu peguei meu primeiro baralho para ler... e já vamos para dezesseis anos. Paixão tem dessas coisas, o tempo é sempre próximo, mesmo que distancie a cada dia. Bom é que agora temos muitas opções de acesso ao oráculo, e isso facilita - e dificulta, por outro lado - os primeiros passos.
    Babi, oráculo é uma coisa e tanto, né? Eu tenho essa facilidade com as cartas, mas não me arrisco a ler as Runas para mais ninguém além de mim. Elas são fantásticas, fascinantes, tenho um longo caminho pela frente. Além, claro, de originarem uma das formas de magia mais efetivas que conheço.
    E amante do Tarot é algo super válido, sim! Todos somos! Amantes, amadores, apaixonados...
    Oi Lu. Aquela nossa conversa foi uma celebração. Estamos conectados, juntos nessa. E o Oráculo só tende a se expandir em nossa consciência... Nós o somos.
    Falae, Igor. O importante é isso, tomarmos posse. O "como fazer isso" é a parte pessoal, intransferível. Com o tempo, a gente passa a saber nossos limites, e vê o universo de possibilidades que esses mesmos limites oferecem. E é aí que nossos universos se tocam, nos limites que nos permitem conversar sobre a amplitude de possibilidades... e por aí vai.
    Oi Cacá, que bom que gostou do texto. Acho importante que você tenha procurado opiniões, a gente cresce muito conversando com os outros. Só isso já te coloca quilômetros à frente na sua busca. Olha, o bacana é você pegar um baralho, estudá-lo, depois começar os outros. No caso do Tarô, isso fica mais fácil, porque os significados entre as cartas mudam muito pouco. Depois que você pegar o "know-how", não haverá baralho de Tarô que você não seja capaz de jogar. Contudo, como sempre friso, a gente acaba tendo nossos "queridinhos", aqueles que, aparentemente, "funcionam melhor" nas nossas mãos. Eu gosto da linhagem do Marselha, tem quem se afine melhor com os derivados do Waite-Smith, há ainda os da linhagem cabalística, outros da mitológica e por aí vai.
    Olha, te recomendo começar pelo que você mais gosta, seja ele o Tarot ou o Petit Lenormand (baralho cigano). O Petit Lenormand só aparenta ser simples, ele é bem aplo, dá panoramas fantásticos (sou até suspeito para dizer). Não importa qual seja o baralho, se você gostar dele, certamente você vai longe. E bom ver que você realmente quer isso. Desejo-lhe toda a sorte e sucesso no seu desejo!
    Quanto aos cursos online, peço a gentileza de entrar em contato pelo e-mail emanueljsantos7@hotmail.com.


    E a todos, beijos e abraços, gratidão profunda pelos comentários!

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Quando um monólogo se torna diálogo...