Quatro de Copas
Waite-Smith
O quatro de Copas é uma carta complicada. Não chega a ser encardida, mas é complicada. Um dos seus significados mais comuns é tédio. Estar enfadado com o contexto. Tá bom, tá bom. Mas poderia estar muito, muito melhor. E eu não estou com saco para ir atrás desse melhor. Tá bom, assim. Tá bom.
Somos tentados o tempo todo a manter. Manter relacionamentos, empregos, vidas que não nos satisfazem. Porque somos assombrados pelo "...e se..." o tempo todo. Poderia, deveria, faria, aconteceria, vivenciaria, conheceria, experimentaria, amaria. Condicionalmente, se eu optasse por outro algo que não o que está bom.
Essa é a carta do futuro do pretérito. Do pretérito imperfeito. Do que não foi, porque outra coisa aconteceu. Ou não aconteceu - eu não quis, mesmo que quisesse.
Nessa carta fica escondido, nos meandros, um pequeno teste à nossa vontade. O excesso já vivenciado não mais sustenta, denotando carência. Paradoxal carência frente a um excesso de possibilidades (meio) experimentadas. É como comer a sobremesa antes do almoço, desanda tudo. Fica satisfeito de cerejas e esquece do bolo. E diz que está tudo bem.
Talvez por isso, essa é a carta também de certa dose de maledicência, do disse-me-disse, do conselho fortuito e desnecessário. "No seu lugar..." eu seria você, não eu. Eu faria outras escolhas. A sua grama parece mais verde porque não sou eu quem cuida dela. Vejo cada uma das cachaças que você toma, mas não vejo nenhum dos tombos que você leva. "Veja só, justo ele, tão bonito/inteligente/esperto/esforçado"... e não eu.
Perceba que existe aqui uma noção de tempo, também. Tempo perdido, desperdiçado, gasto em amenidades sem futuro. Fica implícita uma relação de voltar atrás e refazer tudo de novo para escapar dessa estrada.
Sinto muito, não dá, ela é tão necessária quanto todas as outras. Inevitável, até.
Quanto tempo você vai ficar na sombra, com três taças de água fresca, eu não sei; mas que uma taça está ali, mostrando que seu conteúdo poderia ser melhor, ah, está.
Perceba o personagem. Ele está amuado. Existe um banzo em seus olhos baixos. Seus braços cruzados impedem o acesso ao seu plexo, mas não ao seu coração. Ele precisa ser ouvido, bem mais que embebedado - ele já está o suficiente, seja lá do que tenha bebido, do cálice do amor, da dor, ou da rotina. Ele já não quer mais, mas espera que alguém o movimente. Nem a hierofania ao seu lado o movimenta - ele não está para ouvir vozes de Deuses ou de outrem, ainda que as ouça, se cantarem a música que ele quer ouvir.
Tomara que ele as ouça.
Tomara.
Ou não.
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Quando um monólogo se torna diálogo...