sábado, 29 de setembro de 2012

Rei de Copas e a Literatura: Moby Dick.

Rei de Copas
Waite Smith

Olá pessoal. Esse texto foi um daqueles que demandou muito estudo (mesmo!) e muita reflexão. E, absolutamente, nada garante que eu cheguei a algum lugar. Esse texto é um proveito de paisagem.
Uma das coisas mais intrigantes para mim no Rei de Copas do tarô Waite-Smith era a relação entre o navio e o peixe (?) em segundo plano. 

Rei de Copas
Universal Waite

Ao contrário de outros elementos iconográficos, como o caracol do nove de Ouros, o "peixe" está ali, na quase totalidade dos baralhos inspirados diretamente em Waite. 
Segundo o texto do The Pictorial Key:
Ele segura um curto cetro na mão esquerda e uma crande taça na direita; seu trono fica sobre o mar; de um lado navega um navio, e do outro um golfinho está pulando. A dedução é que o Signo de Copas naturalmente se refere à água, que aparece em todas as outras cartas. (grifo meu)
Certo, golfinho. Mas se tomarmos a proporção entre o "golfinho" e o navio, veremos que está muito desproporcional. Pensando melhor, está mais para baleia que para golfinho. Ainda cetáceo. Ainda possível um diálogo. 


Encontrei possíveis respostas na literatura. Herman Melville esclarecendo pontos do texto imagético de Waite. E aí não estamos falando mais de um peixe, mas de um cetáceo - ainda que no livro estejamos falando de um peixe. Todo livro é um relato de sua época, ainda que seja atemporal. Com os erros próprios da época, inclusive.

Com a proposta de incentivar os jovens a relerem os clássicos lidos na infância – e fazer uma nova visita às obras de Franz Kafka, George Orwell, Herman Melville e tantos outros – a agência New!, da Lituânia, criou a campanha Books Change With You (“Livros mudam com você”, em tradução livre), para mostrar que há obras que ficam ainda melhores com o avançar da idade. Fonte: Para Ler.

Moby Dick não fala só da luta do homem contra a natureza; fala da mesma luta, talvez mais sangrenta, contra a sua própria natureza.
Estar cravejada por arpões, nadar com corpos de pescadores mortos há dias, já deteriorados, presos sobre o seu dorso - nada disso lhe tem significado ou importância. Toda a sua simbologia parte do homem. Toda a sua fúria destrutiva parte do homem. Todo o seu significado, em tudo o que possui de atroz e belo e incontornável, parte do homem - é ele quem vive e morre para que Baleia Branca persista sendo mais do que um Leviatã que nada inutilmente para o seu próprio fim. (Fonte)

Moby Dick, DeviantArt; Jaws, divulgação.

O enfrentamento da Besta (em amplo sentido) é atemporal, é parte da jornada do Herói. Moby Dick, o Tubarão, seres do oceano do inconsciente que enfrentam o homem sem fé em si mesmo - e que, pelo enfrentamento, a recupera indelevelmente. Curioso é que ambos são... brancos. Além disso, diversos outros pontos vão de encontro a um simbolismo alegórico que permite camadas e camadas de interpretação, que nos encontram como ondas - quando as sentimos, já viramos a página e elas não estão mais lá. Ou estão, em estado de espera. Talvez as mesmas ondas que permearam a obra, em uma escala evidentemente menor. Ainda assim, Moby Dick foi inspirada em uma cachalote real, Mocha Dick:
(...) nome dado a um cachalote albino que viveu no início do século XIX, assim chamado porque ele tendia a frequentar as águas amenas perto da ilha de Mocha, ao sul do Chile. Dele, o explorador Jeremiah N. Reynolds escreveu: “Este monstro de renome, que tinha de sair vitoriosa em uma centena de brigas com seus perseguidores, foi uma baleia que lutava como um velho touro, em tamanho e força prodigiosa. Do efeito da idade, ou mais provavelmente de uma aberração da natureza ! – Ele era branco como a lã”. (Fonte)
O começo do livro é considerado um dos melhores já produzidos
“Chamem-me simplesmente Ismael. Aqui há uns anos não me peçam para ser mais preciso —, tendo-me dado conta de que o meu porta-moedas estava quase vazio, decidi voltar a navegar, ou seja, aventurar-me de novo pelas vastas planícies líquidas do Mundo. Achei que nada haveria de melhor para desopilar, quer dizer, para vencer a tristeza e regularizar a circulação sanguínea. Algumas pessoas, quando atacadas de melancolia, suicidam-se de qualquer maneira. Catão, por exemplo, lançou-se sobre a própria espada. Eu instalo-me tranquilamente num barco.”
Quem é Ismael? "Me chame" soa como "não revelarei meu nome, contente-se com o que ofereço". Luis Fernando Veríssimo achou tão bacana que dialogou diretamente com este começo em particular e com a obra em geral, em O Jardim do Diabo:
Me chame de Ismael e eu não atenderei. Meu nome é Estevão, ou coisa parecida. Como todos os homens, sou oitenta por cento água salgada, mas já desisti de puxar destas profundezas qualquer grande besta simbólica. Como a própria baleia, vivo de pequenos peixes da superfície, que pouco significam mas alimentam. Você talvez tenha visto alguns dos meus livros nas bancas. Todo homem, depois dos quarenta, abdica das suas fomes, salvo a que o mantém vivo. São aqueles livros mal impressos em papel jornal, com capas coloridas em que uma mulher com grandes peitos de fora está sempre prestes a sofrer uma desgraça.
Ilustração de Odilon Moraes

A Cosac Naify produziu, em 2008 uma edição de Moby Dick cuja capa foi vencedora do prêmio Jabuti. Interessante perceber que não só o texto, como a apresentação, a editoração, são fundamentais para que sejamos impactados com a mensagem que está ali, de forma mais ou menos palatável de acordo com a intencionalidade do editor - intermediário quase sempre esquecido no processo autor - (editor) - leitor. Confira aqui a entrevista com a designer Luciana Facchini sobre o processo de criação.

Diversas adaptações foram produzidas a partir da obra. Inclusive pelo Pica Pau.



Pense :) .
Caso você seja fluente em inglês, existe uma novidade interessantíssima. Mesmo eu que não sou fluente, vou aproveitar. Conforme o blog Para Ler, baseado na matéria d'O Globo:
Um capítulo por dia, durante quatro meses. 135 narradores, para cada um dos 135 capítulos, que são ilustrados por 135 imagens, de 135 artistas diferentes. Tudo para “criar uma nova maneira de contar a história de Moby Dick para o público do século XXI”. Esse é Moby Dick Big Read, projeto que faz uma releitura da clássica obra de Herman Melville e iniciou as atividades no último dia 16 de setembro.
Ainda dá tempo de seguir o projeto em tempo real, baixando no site http://www.mobydickbigread.com/
Abraços a todos.

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

The Game of Thrones Lenormand: Significados e aplicações


Olá pessoal. A pedidos, vamos mergulhar mais profundamente na relação entre o baralho Petit Lenormand e o seriado Game of Thrones. Vamos, quinzenalmente, carta a carta, personagem a personagem, vivenciando novamente o seriado, porque terceira temporada só ano que vem...
Falando nisso, essas postagens corresponderão aos personagens do seriado, nem tanto em relação aos livros. Em primeiro lugar, porque é mais fácil acessar as vinte horas das duas temporadas e compreender adequadamente as correlações que ler os livros, num primeiro momento, o que facilita a leitura dessa série. Em segundo, porque já houveram modificações de enredo entre aquilo proposto nos livros e o que vemos no seriado; em terceiro, e mais importante, eu ainda não li todos os livros, e acho injusto dissertar sobre isso baseado apenas na opinião de outras pessoas.
Evidentemente, teremos vários spoilers à medida em que as publicações forem sendo feitas. Se você ainda não assistiu as duas temporadas, pode ser desagradável saber certas questões de enredo que estão imbuídas na atribuição que proponho para a referida carta. 
De resto, aproveitemos para assistir novamente (no meu caso, pela quarta vez) as duas temporadas.
Abraços a todos.



Aproveitando o ensejo, a Editora Alfabeto disponibilizou quatro baralhos Lenormand para sorteio nas quatro primeiras postagens. Para concorrer ao primeiro, seja seguidor do Conversas Cartomânticas, curta a página do Facebook, e coloque seu nome e e-mail na área de comentários desta postagem. Concurso válido para residentes no Brasil - residentes em outros países que queiram participar deverão possuir um endereço nacional para a entrega do prêmio. O sorteio será realizado dia 11 de outubro pelo random.org.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

A Jornada do Louco em sua autodescoberta: Uma vivência com os 22 Arcanos Maiores do Tarô


Olá pessoal. Vamos viver, em 24 postagens quinzenais, cada um dos Arcanos do Tarô? Eu disse viver, não estudar. Viver. O aprendizado das cartas passa por diversos níveis, sendo que a absorção das imagens arquetípicas, através de vivências e do estudo sistemático de seus atributos, é o mais seguro e corrente. Demanda um tempo, e muitos jogos, inumeráveis, para começarmos a dançar seguros os passos desse bailado - embaralhar, cortar, interpretar, aconselhar. Mas, na nossa experiência pessoal, temos a oportunidade de um quinto passo: o vivenciar. E é esse quinto passo que dançarei com vocês. 
Kelma Mazziero, sincronicamente, postou a seguinte colocação:

É totalmente possível perceber a carta que se vivencia durante um período ou fase de vida. Basta estar conectado e devidamente informado. Daí a minha postura um tanto reticente quanto a jogar Tarô para tudo ou qualquer coisa. Chega um dado momento, é de bom tom conseguir perceber os sinais, além de estar atento aos acontecimentos em busca de associações. É, inclusive, uma maneira saudável de entender melhor uma carta e aprofundar suas características, já que sentir na pele ensina mais do que qualquer elucubração (já diria Shakespeare: "todo mundo é capaz de dominar uma dor, exceto quem a sente").
Existem diversas formas de vivenciarmos os Arcanos. A meditação talvez seja a mais corrente. Diversos métodos se delineiam para isso. Nesta proposta, experimentaremos, nas próximas quinzenas, cada um dos Arcanos Maiores do Tarô, dentro do contexto da Jornada do Herói.
A Jornada do Herói (ou monomito) é um roteiro reconhecível em praticamente todos os mitos que conhecemos. Talvez por isso, seja mais fácil para nós vivenciarmos seus aspectos: temos as referências de todos os heróis que nos precederam. Sua estrutura básica é composta por três elementos: separação-iniciação-retorno.
Conforme Joseph Campbell:
Um herói vindo do mundo cotidiano se aventura numa região de prodígios sobrenaturais; ali encontra fabulosas forças e obtém uma vitória decisiva; o herói retorna de sua misteriosa aventura com o poder de trazer benefícios aos seus semelhantes. (CAMPBELL: 1988, 36)

Para começarmos essa vivência, sugiro o seguinte experimento: embaralhe os Arcanos Maiores do seu baralho. Retire três cartas: Uma para a separação (qual é a situação da sua vida cotidiana que lhe empurra para o novo, o que deve ser modificado pela sua ação individual?); uma para a iniciação (qual é o processo desafiador que você encontrará pelo caminho? Qual é o dom que será desperto? O que deve ser trabalhado unicamente por você?) e uma para o retorno (Qual será sua oferta ao mundo ao fim da jornada?
À medida em que formos vivenciando cada um dos Arcanos, aqueles que lhe tocaram nesse experimento dialogarão diretamente com a sua experiência do momento da jornada. Você está pronto para isso?
Para acompanhar bem essa série, sugiro que adquira um diário. Anote suas impressões e expressões - ao fim da jornada, terá um relato fiel dos seus próprios passos.
A bibliografia axial da vivência é composta por quatro livros, que recomendo veementemente a aquisição:

CAMPBELL, Joseph. O herói de mil faces. São Paulo: Cultrix/Pensamento, 1988. 
DICKERMAN, Alexandra Collins. A aventura da autodescoberta: Usando os símbolos do Tarô, os mitos e as imagens que revelam a sua vida interior. São Paulo: Cultrix, 1994.
NICHOLS, Sallie. Jung e o tarô: uma jornada arquetípica. São Paulo: Cultrix, 2000.
BANZHAF, Hajo. O Tarô e a Viagem do Herói: A chave mitológica para os Arcanos Maiores. São Paulo: Pensamento, s/d.

A cada carta vivenciada, outros livros serão necessários, e referenciados adequadamente na postagem. Para adquirir a bibliografia básica, clique aqui



E, para começarmos a jornada com o pé direito, a Editora Pensamento disponibilizou para nós caminhantes um exemplar do livro O herói de mil faces, de Joseph Campbell, um dos livros axiais (senão a própria raiz) da série.  Para participar, seja seguidor do blog, deixando um comentário nessa página com nome, cidade e e-mail. Só valem participações de residentes no Brasil. O sorteio será feito no dia 4 de outubro, através do random.org, e será divulgado aqui, no Conversas Cartomânticas.
Nos vemos em quinze dias, sabendo quem será o caminhante a vivenciar já com o livro seu primeiro passo.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Oráculo dos Deuses, Heróis e Titãs


Olá pessoal. A Editora Pensamento-Cultrix acabou de lançar o Oráculo dos Deuses, Heróis e Titãs, versão brasileira do Mythic Oracle. O baralho é formado por quarenta e cinco cartas ilustradas por Michelle-lee Phelan (que foi responsável pelo igualmente lindo Oracle of Dragonfae), divididas em quatro grupos: Heróis, Seres Mágicos, Olimpianos e Titãs.  


TITÃS

1. Cronos (Ciclos)
2. Réia (Proteção)
3. Prometeu (Sacrifício)
4. Mnemósina (Inspiração)
5. Atlas (Responsabilidade)
6. Têmis (Ordem natural)
7. Selene (Intuição)
8. Hélio (Iluminação)
9. Éos (Novos começos)

OLIMPIANOS

10. Zeus (O Pai)
11. Zeus (Expansão Divina)
12. Deméter (A Mãe)
13. Deméter (A Colheita)
14. Hera (Dever)
15. Hades (Morte)
16. Hades (O Mundo Inferior)
17. Poseidon (O Desconhecido)
18. Poseidon (O Agitador da Terra)
19. Ártemis (Pureza)
20. Apolo (Clareza)
21. Pã (Sexualidade)
22. Hefesto (Trabalho)
23. Marte* (Batalha)
24. Héstia (Lar)
25. Atena (Sabedoria)
26. Hermes (Mensagens)
27. Hermes (Viagem)
28. Afrodite (Amor)
29. Afrodite (Beleza)
30. Eros (Desejo)
31. Eros (União Sagrada)
32. Perséfone (Despertar)
33. Perséfone (Renascimento)
34. Dionísio (Liberdade)
35. Hebe (Brincadeira)
36. Íris (Harmonia)

SERES MÁGICOS

37. Quíron (Cura)
38. Pandora (Esperança)
39. As Moiras (Destino)
40. Hécate (Encruzilhada)

HERÓIS

41. Aquiles (Glória)
42. Orfeu (Fé)
43. Ulisses (A Jornada)
44. Hércules (Força)
45. Perseu (Coragem)

Poseidon, o Treme-Terra


Os mitos gregos são as histórias da humanidade. Eles são o reflexo da natureza e dos ciclos humanos e é através dessas histórias que podemos vir a entender melhor a nós mesmos.
O Oráculo dos Deuses, Heróis e Titãs traz estas histórias e símbolos atemporais para o mundo moderno, proporcionando-lhe uma ferramenta que pode ser usada no cotidiano para delicadamente guiá-lo através dos ciclos de vida em matéria de amor, carreira, criatividade, família, espiritualidade e consciência pessoal, permitindo que você possa ultrapassar os desafios da vida com maior clareza, consciência e vontade, obtendo assim uma vida clara, focada e gratificante.


Athena, a Sabedoria

O Oráculo dos Deuses, Heróis e Titãs vai lhe dar uma visão mais detalhada sobre o que está acontecendo em sua vida, o que é necessário e o que vem a seguir. O guia incluso apresenta uma descrição dos mitos, suas interpretações divinatórias e uma gama de jogadas que lhe permitirá ler com precisão para si mesmo e para os outros. Para quem já está no caminho há um tempo, esse baralho irá dialogar com as práticas desenvolvidas com o Tarô Mitológico e com outros baralhos de inspiração semelhante.


Zeus, o Grande Pai

A autora, Carisa Mellado, é uma talentosa escritora australiana que dedicou mais de uma década da sua vida estudando muitos aspectos do campo da Mente, do Corpo e do Espírito, e também trabalhou durante muitos anos como uma bem-sucedida taróloga profissional. Ela tem um grande interesse pela psicologia e pelas tradições espirituais do mundo todo, e é especialista em Mitologia. Carisa também é musicista e compositora. Além de ter seus próprios projetos musicais, foi convidada a participar da composição de muitas trilhas musicais e CDs de meditação. 

Artemis, a Pureza.

A galeria com todas as cartas pode ser vista aqui. E caso queira degustar o primeiro capítulo, é aqui.


*Transcrito ipsis litteris da degustação. A carta corresponde a Ares, o Deus da Guerra grego. Marte é seu equivalente romano.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Para o entendimento da carta 26 do Petit Lenormand.


A carta 26 do Petit Lenormand é representada por um livro (ou grupo deles), corresponde ao Dez de Ouros e seu poema diz (CartaMundi em inglês, tradução livre): Um segredo está / escrito nesse livro. / Vamos tentar descobri-lo / olhando as [demais] cartas atentamente.
Para isso, nada melhor que acompanharmos As Memórias do Livro, de Geraldine Brooks.




Da Espanha de 1480 até a enfraquecida Sarajevo de 1996, um livro sagrado de valor incalculável é caçado por fanáticos políticos e religiosos. Seu destino está nas mãos de uma talentosa conservadora de livros a charmosa protagonista Hanna, e sua recuperação resulta em um mistério histórico arrebatador.
Quando Hanna é chamada a Sarajevo para examinar o Hagadá, um código judaico do século XV que havia desaparecido durante a guerra da Bósnia, ela não pode acreditar que um documento tão maravilhoso estava preservado depois de tantas guerras e tanto preconceito. A partir de pistas encontradas no próprio manuscrito uma asa de inseto, manchas de vinho e um pêlo branco Hanna desvenda uma série de enigmas fascinantes e reconstrói as memórias do livro. E o resultado é um verdadeiro épico, uma corrida contra o tempo para revelar o passado e dar espaço à crônica da história do livro, enquanto Hanna procura a cura para uma criança vítima da intolerância da guerra, um amor impossível, sua própria identidade e proteção: do Hagadá e de sua própria vida. (Fonte: Skoob)


Conheci esse livro quando cursava o curso de conservação e restauro de bens culturais (FAOP). Dialogava diretamente com o ofício de restauro de papel, e na época eu trabalhava com um missal. Mas não imaginava que o livro fosse me tocar tanto, nem que fosse dialogar com a Cartomancia. Contudo... Encontramos os melhores diálogos no cotidiano, quando menos esperamos. E ler cartas pede leitura constante, não só delas. Leia aqui uma resenha d'As Memórias do Livro no Lendo.org. A Livraria Cultura disponibilizou o acesso a alguns capítulos, à guisa de degustação. Experimente aqui.




Eu sempre me questionei os motivos que levaram aos autores do Petit Lenormand a correlacionar o Livro com segredos.
O livro é um registro. E estamos falando de um período em que ser letrado era sinônimo de ter poder, ou de pertencer, ao menos, a uma classe de poder. Mas o livro também é comunicação – há livros para os outros lerem, há os livros para o autor apenas ler, refletindo sobre o seu passado. Mas todo livro pressupõe um leitor.



É estranho, para nós, homens e mulheres do século XXI, tendo acesso a tantas mídias, pensarmos no livro como um segredo. Hoje contamos com tantos instrumentos para produzir e guardar informação, que por vezes nos esquecemos que essas mídias são deveras recentes. Não mais que quinze anos atrás, utilizávamos ainda disquetes, fitas cassetes, máquinas fotográficas tradicionais, com filme, eram a opção mais viável, VHS convivia pacificamente com os DVDs nas locadoras, 32 bits eram um sonho de interface nos videogames... Contudo, pensemos nos diários do século XIX, o espaço de intimidade e sonhos das mulheres, em busca de uma identidade ainda em construção. 



Da mesma forma, pensemos que, para um analfabeto, o código ali escrito não lhe esclarece nada, ainda que esteja claro para um leitor alfabetizado. Ou mesmo que não analfabeto, um livro em outra língua traria o mesmo problema. Então, aqui o segredo corresponde a não compreensão de um código específico, ou mesmo uma informação pertinente que encaixa as pedras no tabuleiro ainda não chegou ao consulente. Os “conhecimentos que desvendam segredos”.



As grandes religiões monoteístas do Ocidente são religiões do livro. O Judaísmo possui a Torá; o Cristianismo, a Bíblia; o Islamismo, o Corão. Os livros garantem que o texto original não seja perdido – ainda que permitam a interpretação dos mesmos por seus sacerdotes. A interpretação, contudo, se adequa à época, ao grupo que lê, à forma como o sacerdote apresenta o texto. O texto não muda, e se permite novas leituras e interpretações futuras – algo mais complexo se estivéssemos lidando com uma tradição oral. Talvez por isso, ou justamente por isso, na iconografia cristã, o livro é o atributo de todos os Santos Doutores da Igreja.



Saber ler e escrever era tão importante que haviam profissionais específicos para lidar com a escrita: copidesques e escrivães. A escrita, inclusive, foi elevada ao status de arte no medievo pela Igreja Católica, com as iluminuras de seus livros. Talvez por isso essa carta também tenha sido correlacionada com a profissão. Nessa carta, vemos o trabalho do consulente, o emprego, os negócios; investimentos veremos na carta 34.



Dessa forma, quando sai num jogo, o livro aponta para questões que demandam maior entendimento e questionamento daquilo que se sabe atualmente. 



Se vocês prestarem bem atenção, conversamos até agora apenas sobre os Dez de cada naipe. O que essas cartas tem em comum? O que as diferencia? Conversemos sobre isso no curso de Petit Lenormand que darei no Rio de Janeiro.
Em tempo: Pepi Valderrama lançou seu Mystic d'Époque Petit Lenormand. Para baixar uma versão de avaliação, clique aqui.
Abraços a todos.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Fidelidade e Falsidade nos Sibillas Italianos

Vera Sibilla Italiana

Olá pessoal. Gostaria de falar hoje sobre duas cartas dos Sibillas italianos (do qual o Sibilla della Zingara é o mais conhecido por aqui): a Falsidade e a Fidelidade. A primeira, representada por um gato; a segunda, por um cão.


Tudo é uma questão de ponto de vista. Será? Estamos lidando com um oráculo e, por uma questão de funcionalidade, se a imagem não se aplicasse adequadamente ao conceito, não seria mantida. Em simbologia, sobrevive o símbolo mais facilmente decodificado pela interpretação corrente.


Segundo Cesare Ripa, em seu Iconologia, de 1593, a Fidelidade é representada por uma
Mulher vestida de branco, segura uma chave com a mão esquerda  e tem aos pés um cachorro. A chave é indício de sigilo, que deve ser tomado em coisas relativas à fidelidade da amizade singular de natureza instintiva que o cão significa, como já disse em outras ocasiões.*
Cartes Italienne

A força da imagem do cão como símbolo de fidelidade é evidente (inclusive, num diálogo imagético direto, já falamos sobre ele quando falamos da carta 18 do Petit Lenormand). Temos agora um problema em relação aos gatos. 

Cartes Italienne

Os gatos, em especial os pretos, são relacionados à bruxaria, à magia, aos aspectos ocultos do inconsciente, ao azar e ao demônio. Deve-se benzer o corpo, manda a cultura popular, quando um deles cruzar o seu caminho.


Superstições atributivas. Mas, pensando bem, eu ouvi tantas vezes o demônio ser chamado de Cão... e isso não alterou em nada seus aspectos luminosos de fidelidade e lealdade. Tem mais coisa aqui para vermos.

Flóra Borsi

Conforme o dicionário de símbolos de Jean Chevalier e Alain Gheerbrant, 
O simbolismo do gato é muito heterogêneo, pois oscila entre as tendências benéficas e as maléficas, o que se pode explicar pela atitude a um só tempo terna e dissimulada do animal. (grifo meu)
Dissimulação. Conforme o Dicionário Michaelis,
dis.si.mu.la.ção


sf (lat dissimulatione) 1 Ato ou efeito de dissimular. 2Fingimento, disfarce, falsa aparência. Antôn: franqueza.

Se falsidade é um adjetivo, dissimulação é uma habilidade. Aprende-se a ser de acordo com a necessidade. Agora, falsidade também é um ponto de vista; ser falso é, normalmente, uma tentativa de obter vantagens ou diminuir os danos em determinado evento. E existe também a possibilidade de se estar sendo falso em função ou a favor de alguém ou alguma coisa. Todo disse-me-disse tem um (ou mais) interessados que a informação confidencial chegue à algum lugar.

Gatos também são oportunistas. Em sua independência, estão sempre prontos para o inesperado, sem nenhuma expectativa.  Sob uma aparência indolente, está guardada energia para saltos cinematográficos e fugas espetaculares - o pulo do gato.



E não é isso que se espera de uma pessoa falsa, oportunista? Que ela seja surpreendente? A confiança é totalmente previsível. A desconfiança é um universo de possibilidades. E se tem algo que se pode dizer de gatos, é que são seres completamente imprevisíveis. Mas cuidado: quem não gosta de gatos, pode vir como ratinhos na próxima encarnação... (fonte



Conversando com a Giane Portal, que ama e entende de gatos como ninguém, recebi a seguinte perspectiva sobre a carta Falsidade, a partir do seu representante:
Os gatos não são imprevisíveis, são sutis. Não é um latido que denotará a ameaça... São pupilas dilatadas, a posição do corpo, entre outros sinais... Não é algo tão inesperado assim um ataque, se você souber ler os sinais. E justamente aqui está o ponto, a questão que faz o gato ser associado com a falsidade, talvez: A dificuldade das pessoas de perceberem esses sinais mais sutis, e encarar como “eu estava fazendo carinho, e do nada ele me arranhou”, dando a impressão de que o gato só estava esperando a “pobre vítima” se sentir confiante e vulnerável para atacar malevolamente e realizar sua "natureza traiçoeira"; então, como o gato já é uma animal MUITO castigado, vitima das maiores barbaridades e torturas, simplesmente por ser GATO, todos esses simbolismos que com razão você afirmou - o símbolo só se mantém na tradição porque as pessoas se identificam com ele - ajudam na realidade a reforçar um preconceito que pode acabar tendo consequências mais sérias: As pessoas sempre procuram algo para descarregar seu ódio. A principal questão aqui é cultural: dependendo da cultura, gatos trazem "muita sorte" ou "muito azar" - não são os gatos, que efetivamente, trazem sorte ou azar. São atribuições supersticiosas  ou folclóricas que acabam desenvolvendo uma mentalidade simbólica de acordo com a região em que são originadas. No Japão, por exemplo, jamais uma Sibilla com essa simbologia teria sido desenvolvida.  
Complexo o tema. Necessário um olhar particularizado sobre o baralho e amplo em relação à simbologia, para evitarmos equívocos interpretativos. Em última análise, devemos nos ater aos naipes - que norteiam a elaboração dos conceitos imagéticos em toda a cartomancia - para entendermos tais perspectivas. Mas isso é assunto para outra conversa.
Abraços a todos.

* No original: Donna vestita di bianco, con la sinistra mano tiene una chiave, & alli piedi un cane. La chiave è inditio di secretezza, che si deve tenere nelle cose appartenenti alla fedeltà dell'amicitia il che ancora per singolare instinto di natura la fedeltà significa per il cane, come si è detto in altre occasioni.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Um agradecimento a todos vocês.



Eu pertenço a old school. Tenho dificuldades com e-books. Estou tentando me adaptar aos novos tempos, mas ainda gosto do cheiro, da textura, do ato de folhear. Um livro ainda é um livro.
Acabou de chegar o meu livro em versão impressa. Por mais que eu tenha feito todo o processo de edição e envio para a editora, todo o processo foi virtual, à frente de um computador. Quando abri o pacote, e vi o livro em minhas mãos, senti uma emoção que jamais tinha sentido antes. Era parte de mim, à parte de mim, feito por mim. Era meu. 
Mas não fiz isso sozinho - são três anos, quase quatro, de conversas com os mais diversos públicos. Não teria acontecido se eu não tivesse com quem conversar. E isso me encheu de gratidão. Eu só tenho a agradecer.
Obrigado a todos aqueles que vem me ensinando há tempos sobre o ofício da cartomancia. Que, por concordar ou discordar, por acrescer ou questionar o que digo, não me permitem parar de estudar. Obrigado a todos os meus clientes, que me oferecem os feedbacks que me mantém no caminho. Obrigado aos colegas. Obrigado aos amigos. Obrigado, mesmo. 
Eu dediquei este livro a todos aqueles que decidiram dar um passo à frente, sem a menor noção do resultado. E que descobriram que o resultado foi bom.
Sem vocês, eu jamais saberia disso, ou mesmo teria dado um passo à frente. Obrigado.
E que, assim como senti, quando tiverem o meu livro em mãos, ou em e-book, que vocês também possam sentir que ele é, a partir desse momento, de vocês, também. 
Caso queira adquirir o livro, clique aqui.

A Paula, do Cozinha do Quintal, postou no blog dela sobre o livro. Acessem, não só por isso, mas porque é um blog admirável. É delicioso o reconhecimento das pessoas que amamos.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Para o entendimento do Arcano 18 do Petit Lenormand.

Em outubro de 2010, escrevi um artigo sobre o filme Hachiko, que se aplica muito bem ao estudo que estamos fazendo. Portanto, reformulei-o, retirando o material referente ao Tarô e concentrando-me no Petit Lenormand.



A carta 18 do Petit Lenormand é representada por um cão, corresponde ao Dez de Copas e seu poema (Carta Mundi em inglês, tradução livre): "Companheiro, o cão brincalhão / fiel e amigável todos os dias, / ao menos enquanto está perto de você / e distante das nuvens."
Uma excelente carta para se ter como companhia de jornada.



Enquanto escrevo isso, caem ainda lágrimas sobre o teclado (espero que isso não o danifique) - dois anos se passaram e eu ainda sinto o mesmo efeito. Assistir o filme Sempre ao seu lado é reconhecer a lealdade em uma história real. Meu pai já o havia assistido e, tendo se emocionado bastante, me recomendou assistir também. Só que filmes encontram seus momentos e este não havia encontrado sua hora. 
E agora vou assistir novamente.

Hachiko (忠犬ハチ公), foi um cão da raça Akita nascido em 10 de Novembro de 1923 na cidade de Ōdate, na Prefeitura de Akita. É lembrado por sua lealdade a seu dono, que perdurou mesmo após a morte deste.




Excerto do blog "Os uivos da Loba":

Era 1924 quando um cão da raça Akita foi enviado à casa de seu futuro proprietário, o Dr. Eisaburo Ueno, um professor do Departamento Agrícola da Universidade de Tóquio. A história dá conta de que o professor ansiava por ter um Akita há anos, e que tão logo recebeu seu almejado cãozinho, deu-lhe o nome de Hachi, ao que depois passou a chamá-lo carinhosamente pelo diminutivo, Hachiko. Foi uma espécie de 'amor à primeira vista', pois, desde então, se tornariam amigos inseparáveis!



O professor Ueno morava em Shibuya, subúrbio de Tóquio, perto da estação de trem que leva o mesmo nome. Como fazia do trem seu meio de transporte diário até o local de trabalho, já era parte integrante da rotina de Hachiko acompanhar seu dono todas as manhãs. Caminhavam juntos o inteiro percurso que ia de casa à estação de Shibuya. Mas, ainda mais incrível era o fato de que Hachiko parecia ter um relógio interno, e sempre às 15 horas retornava à estação para encontrar o professor, que desembarcava do trem da tarde, para acompanhá-lo no percurso de volta a casa.
No dia 21 de maio de 1925, Hachiko, que na época tinha pouco menos de dois anos de idade, estava na estação pacientemente como de costume, e de rabinho abanando, à espera de seu dono. Só que o professor Ueno não retornaria naquela tarde de 21 de maio: sofrera um derrame fatal na Universidade que o levou ao óbito. Destarte, ainda que alheio a realidade, naquele dia o leal e fiel Akita esperou por seu dono até à madrugada.




Após a morte do professor Eisaburo Ueno, parentes e amigos passaram a tomar conta de Hachiko. Mas, tão forte e inexpugnável era o vínculo de afeto para com seu amado dono — lealdade, fidelidade e incondicional amor levados ao extremo —, que no dia seguinte à morte do professor ele retornou à estação para esperá-lo. Retornou todos os dias, manhã e tarde à mesma hora, na incansável esperança de reencontrá-lo, vê-lo despontar da estação de Shibuya. Às vezes, não retornava à casa por dias!
Foi assim por dez anos seguido  repetindo a mesma rotina, quiçá já não tão feliz, razão pela qual já era uma presença familiar e pitoresca para o povo que afluía à estação. E ainda que com o transcorrer dos anos já estivesse visivelmente debilitado em conseqüência de artrite, Hachiko não se indispunha a ir diária e religiosamente à estação. Nada nem ninguém o desencorajava de fazer sua peregrinação!
Em 8 de março de 1935, aos 11 anos e 4 meses, Hachiko é encontrado morto no mesmo lugar na estação onde por anos a fio esperou pacientemente por seu dono, onde durante dez anos se tinha mantido em vigília.




Hachiko, como não poderia deixar de ser, tornou-se um marco, um referencial de amizade talvez jamais igualável em qualquer era anterior ou futura na história. Sua descomunal lealdade e fidelidade receberam o reconhecimento de todo o Japão. Em 21 de abril de 1934, praticamente um ano antes de sua morte, uma pequena estátua de Hachiko, feita de bronze pelo famoso artista japonês Ando Teru, foi desvelada em sua honra numa cerimônia perto à entrada da estação de Shibuya, local onde morreu. Era a memória de Hachiko sendo imortalizada.




Durante a 2ª Guerra Mundial, para aplicar no desenvolvimento de material bélico, todas as estátuas foram confiscadas e derretidas, e, infelizmente, entre elas estava a de Hachiko.
Após a guerra Hachiko foi duramente esquecido. Todavia, como toda história que se preze precisa ter um final feliz, em 1948 a The Society For Recreating The Hachiko Statue, entidade organizada em prol da recriação da estátua de Hachiko, convidou Ando Tekeshi, o filho de Ando Teru para esculpir uma nova estátua. Até os dias de hoje a réplica encontra-se colocada no mesmo lugar da estátua original, em símbolo de um tributo à lealdade, confiança e inteligência da raça Akita.



Uma belíssima história, que me tocou profundamente, facilmente relacionável à carta 18 do Petit Lenormand; em um nível mais físico, representa os aliados e amigos, sendo passível inclusive de representar o Anjo da Guarda do consulente, ou um espírito amigo (como em todos os casos que transcendam a interpretação corrente, é importante respeitar e adequar a linguagem às crenças do consulente, para que ele possa assimilar a informação sem se assustar).




De qualquer forma, o cão é um observador - ele vela o sono enquanto o dono dorme, ele enxerga aquilo a que o dono não deu a devida atenção. Serve como alerta para o que ele estiver observando; apesar de não causar dano direto, o dano indireto pode ser evitado pela antecipação oriunda da visão clara.
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O Fábio Coala postou uma tirinha que é exatamente a ideia que o Cão oferece. Ele não se afeta pelo dano direto, nem mesmo vindo pelo dono. Uma das questões que percebo em minhas leituras é que o potencial positivo do Cão é tão poderoso que cancela ou atenua o efeito negativo das cartas que a ladeiam. Essa é de fato uma carta afortunada - quem tem um amigo, tem (mais que) um tesouro. A fidelidade do Cão é sobretudo, ao que acredita, ao que é; em seguida, ao que atende.
Contudo, a lealdade, a fidelidade não devem ser esperadas. Devem ser vividas. Semelhante atrai semelhante. Quanto mais leais formos, mais fiéis formos, mais facilmente atrairemos esses valores para nós, com pessoas de mesma ressonância. Nunca soube de um cão que oferecesse seu amor condicionalmente.
Abraços a todos.