quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Dos Enamorados. Hassan e Amir




Há algum tempo, eu assisti no cinema O Caçador de Pipas. E li o livro em seguida. E comprei o DVD. E chorei todas as vezes. Descobri recentemente que até mesmo uma HQ foi feita. Quero ler também. 




Enquanto isso, vou vendo o filme, again and again.







A história fala de fidelidade. De comprometimento. Mas também de perdão a si mesmo e perdão ao passado. De agir direito depois da experiência de ter agido errado. Tudo isso permeado por política, geografia, aproximação e estranhamento do universo muçulmano.


"Sempre dói mais ter algo e perdê-lo do que não ter aquilo desde o começo"


 Khaled Hosseini foi primoroso na elaboração de sua obra – aquele que consegue as lágrimas e os sorrisos de seus leitores, conseguiu alcançar o intento oculto de todo escritor – o encontro das mãos daquele que escreve com as mãos daquele que lê, tendo como intermediário as páginas do livro (ou as telas de computador).
E, como estou mergulhado dois palmos acima da cabeça no universo da cultura árabe, devido ao estudo d’As Mil e Uma Noites, resolvi assistir de novo ao filme. 
Tendo refletido sobre os Enamorados na mais recente postagem, foi inevitável relacionar o filme, que decidi assistir novamente, ao Arcano, que decidi visitar mais uma vez, hoje.



Os Sultões de Cabul são complementares, por isso mesmo diametralmente opostos em caráter e comportamento. Hassan demonstra um caráter inquebrantável. Sua pureza de coração, embora louvável, não é a maior de suas virtudes: sua coragem é admirável. Seu senso de honra é belíssimo e sua fidelidade a Amir é algo que beira o legendário. Falta-me adjetivos para orná-lo nessa apresentação. Valete de Copas.



Em contraposição, Amir é covarde. Seu pacifismo oculta sua insegurança e dubialidade. Falta-lhe comprometimento, consigo mesmo e com os outros. Falta-lhe compaixão, no sentido mais amplo da palavra.  Valete de Espadas.


Valete de Copas (espelhado), Valete de Espadas
Waite Smith


Mas, antes de julgá-lo, ou, talvez por isso mesmo, por julgá-lo, pensemos em suas motivações. Ele queria impressionar o pai, ser algo para o pai, mas culpava-se por ter sido o responsável pela morte da mãe, que faleceu ao dar-lhe a luz. E sua sensibilidade para a escrita não atraía do pai a menor atenção, que não via nisso a menor utilidade.



A etnia de Hassan, hazari, colocava-o em situação inferior à de Amir. E Asef, leitor ávido das ideias de Hitler, atormentava-o por isso. Destruía-o. Se, por volta de 1980, quando isso ocorre, houvesse o conceito de bullying (que hoje justifica o mimo e a timidez de crianças cujos pais omissos impedem seu crescimento como pessoas e interpretam suas atitudes como decorrência da omissão da escola, enfraquecendo seu caráter, ao invés de protegê-las adequadamente, estando presentes em suas vidas), eu diria que Amir sofria o bullying de Asef e seus asseclas. Mas não; nem o conceito existia, nem Amir sofria – Hassan o protegia, com seu estilingue.
Mas isso não era suficiente. Se a proteção do corpo lhe era garantida, sua alma fatigada sofria com a sua própria inapetência. Com o ataque de Asef a Hassan, Amir não pode tolerar a presença dele consigo, pois sua fidelidade expressava sua própria covardia. E, nesse espelho reverso e convexo de intencionalidades, Amir consegue afastar definitivamente Hassan de sua vida.
Ao atentar-me aos aspectos emocionais do Arcano VI, não dei o devido ênfase à questão da escolha. Escolher algo nem sempre significa preterir algo. É quase possível delinear uma iconografia que privilegie os aspectos aqui elencados: Amir, Valete de Espadas; Hassan, de Copas... ladeando um Rei de Paus, que, por ser Rei, é Fogo e, por ter ideias intensas, é Fogo também. E um pouco de cada se reflete em cada um dos seus filhos, de maneira diversa e complementar.

A luz do Fogo reflete-se na lâmina da Espada e na Água da Taça.
Marseille Grimauld

As crianças crescem... E as histórias mudam – de tema, ou de rumo. E Amir descobre que sua história é outra, mas o tema é o mesmo: fidelidade.



E o Anjo, que na infância de Amir apontava a seta, porta uma trombeta... E o chama ao Julgamento. Quem é você, Amir, depois de todos esses anos?
Encontrar Sorab não é só encontrar uma criança. É reencontrar a si mesmo refletido em outros olhos, já que os primeiros lhe foram impossíveis de mirar. É redescobrir o sentido da frase: por você, faço mil vezes.
Enamorados. Opções não; escolhas. Escolhas. Escolha de que lado você está. Da consciência, ou não. Catorze Arcanos depois, virá a conscientização... E espero que ela o encontre ciente do seu dever e dormindo tranquilo.
Pois o Anjo não deixou de lhe velar uma única noite.



Abraços a todos. 

4 comentários:

  1. Emanuel, obrigada por seu comentario la no Quintal. Como vc mesmo diz aqui, e preciso escolher. Estou escolhendo coisas que podem contribuir mais com a minha vida, como o estudo para o desenvolvimento espiritual.

    Belissimo o seu texto, impossivel nao se emocionar mesmo nao conhecendo nada de tarot, as mensagens sao claras e universais.

    Estamos em constante luta entre o bem e a ausencia do bem, que existem no mundo e tb dentro de cada um de nos. Quando a consciencia nos alcancar, poderemos escolher sem pensar...

    Enquanto isso, vamos na luta, um dia de cada vez, na certeza de que sempre seremos seres melhores.

    Um grande beijo!

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    1. Oi Paula, obrigado por passear por aqui, suas visitas são sempre bem vindas. Espero realmente que você volte a blogar, gosto muito do seu Quintal. Fico muito grato pelos comentários, sinal de que ando por searas agradáveis a seus olhos. Eu estou estudando com certo afinco o Arcano VI, os Enamorados, e caçando referências em diversos pontos, mas O Caçador de Pipas abriu meus olhos para perspectivas que não eram tão óbvias nessa carta, tão importante para a compreensão do meu momento atual. Cada passo, cada Arcano, um poema.
      Beijo!

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  2. Olhando a sua analise da mesmo vontade de assistir o filme, muito interessante!Abs!

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    1. Rapaz, você não perderá nada em assistir. Vale cada segundo.

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Quando um monólogo se torna diálogo...