segunda-feira, 16 de julho de 2012

O Jardim da Fera e uma Rosa intempestiva: Ciro Marchetti e o Petit Lenormand


Olá pessoal. Estou deveras encantado pelo novo trabalho de Ciro Marchetti: Um Lenormand magnífico com a técnica e o cuidado que só ele sabe ter com as lâminas. E essa imagem me inspirou uma leitura diferente das que estava até então acostumado - o legal de conhecer novos olhares, novas iconografias, é que o nosso próprio caleidoscópio de interpretações ganha novas cores de vidro para os mesmos espelhos.

Ciro Marchetti e a redoma.

Conheci Ciro Marchetti pelo baralho adquirido pela Rhadra Calache (obrigado, querida!) e fiquei encantado. Não é um trabalho convencional;  Ciro Marchetti talvez seja o maior artista digital  dedicado ao Tarô na atualidade. Suas imagens são de natureza ímpar, com profundidades e transparências que nos levam a viagens diferenciadas na observação das mesmas imagens.
I've used Adobe Photoshop in my corporate work for a number of years, so I'm comfortable enough that it’s my software of choice, and allows me to pretty much reproduce most ideas and effects I wish.  While I have a reasonably clear idea of my illustrations from the onset, I nevertheless use the capacity of layers, and color modes constantly, making adjustments to composition, color and light.  This very often results in a different arrangement and mood to the one I originally planned.  Another important feature is texture; I very deliberately break up the computer clean surfaces of the images by painting through a selection of custom prepared textured alpha channels. This adds a controllable tactile surface quality to the imagery where appropriate; i.e. rusted metal, rough stone.
Sua trilogia Gilded, Dreams e Legacy of Divine Tarot são, além de obras-primas da criação tarológica, um caminho de observação, tanto do crescimento do autor na produção de seus baralhos mais recentes como também do acréscimo e retirada de elementos para clarificar as ideias próprias da lâmina. O processo criativo não respeita fronteiras e, quem, sinceramente, não terminou um desenho ou obra pensando "eu poderia ter feito melhor/diferente/mais um pouquinho aquele detalhe ali"?


Atualmente o próprio Gilged possui uma nova versão - Royale - facilmente obtida com a Priscilla Lhacer no Amor, o Próprio. Mas falemos sobre o Lenormand, que está ainda em processo de criação.


Fonte: Facebook do autor

Mais que conversarmos sobre os significados recorrentes dessa carta, conversemos sobre as ideias de Jardim e Redoma em dois contos franceses: La Belle et la Bête e Le Petit Prince.
Em a Bela e a Fera, a vida fica contida na rosa e na redoma, mesma redoma que continha o primeiro amor do Pequeno Príncipe. Acho que fica aqui uma dica que o que a redoma guarda é perecível. Pode se perder, por puro descuido. Mas, ao contrário de um broche ou anel, se você perder uma planta, ela de fato se foi.
Isso aponta, em contrapartida, para o cuidado constante que um jardim necessita. Não é de qualquer forma, não é de qualquer jeito que o jardim prospera. Mas, por um mero descuido, ele se desvanece nas próprias plantas que antes o embelezaram.
É curioso, também, perceber no processo o quanto nos envolvemos com o Jardim que criamos, que sobrevive a eventos vários. Parece que, ao cultivar, ao replantar, ao tirar mudas e ampliar horizontes, aquela vida multiplica-se em possibilidades antes oriundas de um único risco. Para quem assistiu A Orfã, um filme extremamente tenso e revoltante, mas por isso mesmo recomendadíssimo, a visão de um ramalhete pode ser odiosa. Mas deixemos Ramalhetes para outras postagens.
Voltando à Bela e à Fera, a história corre em torno de um roubo em um Jardim. Ao invés de joias e brocados, Bela, a mais jovem filha de um mercador, pede-lhe somente uma rosa. Após ser cuidado em todas as suas necessidades, o mercador, ao partir do castelo da Fera, sem desconfiar do que pode acontecer a partir de seu ato. Aquela rosa valia mais para o senhor do castelo que todas as suas riquezas.


Quatro de Copas
Tarô Mitológico


É curioso, para àqueles que utilizam o Tarô Mitológico, reparar como esse conto aparentemente bebeu nas fontes de Eros e Psiquê. Bela vai à sua casa ver seus parentes e é seduzida pela língua bífida de suas irmãs - dizem uma coisa, apontando para outra.
E eu fico pensando aonde está, de fato, a beleza. Na efemeridade de uma flor, ou na eternidade de um diamante.




E em efemeridades e eternidades, o Pequeno Príncipe chora por saber que sua Rosa, tão una, é encontrada em profusão e turbilhão num Jardim. 

Mas aconteceu que o pequeno príncipe, tendo andado muito tempo pelas areias, pelas rochas e pela neve, descobriu, enfim, uma estrada. E as estradas vão todas em direção aos homens.
- Bom dia! - disse ele.
Era um jardim cheio de rosas.
- Bom dia! - disseram as rosas.
Ele as contemplou. Eram todas iguais à sua flor.
- Quem sois? - perguntou ele espantado.
- Somos as rosas - responderam elas.
- Ah! - exclamou o principezinho...
E ele se sentiu profundamente infeliz. Sua flor lhe havia dito que ele era a única de sua espécie em todo o Universo. E eis que havia cinco mil, iguaizinhas, num só jardim!
"Ela teria se envergonhado", pensou ele, "se visse isto... Começaria a tossir, simularia morrer, para escapar ao ridículo. E eu seria obrigado a fingir que cuidava dela; porque senão, só para me humilhar, ela seria bem capaz de morrer de verdade..."
Depois, refletiu ainda: "Eu me julgava rico por ter uma flor única, e possuo apenas uma rosa comum. Uma rosa e três vulcões que não passam do meu joelho, estando um, talvez, extinto para sempre. Isso não faz de mim um príncipe muito poderoso..."
E, deitado na relva, ele chorou.



Ela não é única, ainda que seja a única importante. Foi o tempo dedicado à Rosa que a fez tão importante. Aqui, vê-se que não é só o cuidado que o Jardim inspira que o faz uma carta tão especial: o tempo investido também, que é deliberadamente demorado. Os resultados não são imediatos. Mas são evidentes.
Em ambas as histórias, vemos o Jardim, a Redoma que o contém, sendo o limite entre a selvageria e a civilidade, entre o liberto e o contido, entre o amplo e o foco. O cuidado deliberado mantém a salvo a vida daquilo que a observa. Fora do Jardim do Éden, tudo é cardo e espinho, e a lembrança da antiga ordem rege o progresso da corrente.


Sigo aguardando, ansioso, pela publicação desse baralho.
Abraços a todos.

2 comentários:

  1. Emanuel,deve ser mesmo um belíssimo trabalho!Adoro as histórias por trás de cada arcano!Bjs,

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    1. Anne, agora com o baralho em mãos, só existe uma palavra para definir:
      Magnífico.
      Um beijo!

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Quando um monólogo se torna diálogo...