Hoje, vendo "Mais Você" (tenho que aproveitar os dias em que posso acordar um pouquinho mais tarde...) me deparei com uma história belíssima registrada em livro: Sabor de Maboque, de Dulce Braga. A história gira em torno da guerra civil que ocorreu em Angola, em 1975-6, que forçou sua família a procurar refúgio em outro país, tem por título uma fruta angolana que a autora não encontrou no Brasil e da qual não pôde se esquecer.
Particularmente, eu sinto saudades de uma fruta muito mais comum, muito mais fácil de achar: o cupuaçu, que me remete diretamente à minha (curta) estadia em São Luís/MA. O calor das oites de maio, tão contrastante com o clima aqui do sudeste, as comidas típicas que fatalmente não encontraria por aqui, o tambor de crioula, que só quem viu sabe o que significa; tantas coisas, que ficaram registradas e acessáveis na memória de um sabor e textura tão singulares, que só provando para saber.
Esse foi um dos sabores que eu não pude, ainda, partilhar com minha avó. Desde pequeno, não importava para que festa de aniversário eu fosse, eu sempre pedia ao anfitrião um pedaço para levar para minha avó, ou mesmo alguns docinhos. Fatalmente, se eu não conseguisse um segundo pedaço, eu levava o meu mesmo, para comer com ela. Era como se, ao partilhar do pedaço, partilhasse também da felicidade que experienciara horas antes.
Atualmente, a distância e as circunstâncias me impedem de partilhar esses pedaços de felicidade com a minha avó com a frequência que gostaria. Mas o costume permanece enraizado em minha memória. Cada nova textura e sabor novos, desde que adocicados, me remetem imediatamente à companhia da minha avó.
Ontem eu estive em um aniversário. Raphael, um grande amigo e companheiro de república, celebrou as bodas de prata do seu corpo e sua alma. Bodas que eu completarei em outubro.
Mas eu não comi o bolo não... (viu vó?)
E, pesando um pouco essa ligação, paradoxalmente, eu descobri que é possível sentir saudade de algo que eu ainda não conheci. Embora as palavras não traduzam com precisão a sensação experieciada por mim, não é vontade, não é desejo, é saudade mesmo, sem risco de anacronismo.
Um exemplo: todos aqueles que lêem esse blog há algum tempo sabem que eu sou apaixonado pela Norah Jones (se não sabia, clique aqui...). Paixão que dispensa a pressa em obter todo o material produzido por ela - cada CD, cada foto, é uma nova descoberta, um fortalecimento do primeiro amor. Recentemente, descobri (através da Raila; ela me olhou com olhos esbugalhados - O.O -, enquanto dizia, sí-la-b-a-a-sí-la-ba: "você não sabia...") que a Norah Jones havia atuado em um filme. (Confesso que me senti, com essa cena, um verdadeiro herege musical... auf).
My Blueberry Nights. Um beijo roubado, aqui no Brasil.
Blueberry, mirtilo, aqui no Brasil (Vaccinium myrtillus), é uma fruta azulada (sim, eu juro que é, o nome não é à toa), de sabor adocicado ao ácido. Não, eu não comi ainda; li isso na Wikipédia. E não, também não vi o filme. (Olha a sensação de culpa batendo à porta de novo; mas eu não vou atender - eu já vi o trailer...).
Embora essa experiência esteja, de certa forma, num devir, quando eu provar a fruta e assistir o filme, a intimidade que sinto com a musicalidade da Norah e as lembranças doces de sabores que me remetem a 400 km de distância daqui, selarão um momentum único, que sei que vivenciarei, porque já o vivencio na expectativa.
Hora dessas conto como foi.
Nesse patchwork de lembranças e devires, despertados com a história da Dulce Braga, percebi o quanto as sensações e os sentimentos estão conectados para além do verbo sentir. É espiritual, como um três de Paus.
Mas é síntese de cozinha, saudade, sabor, encontro do Outro há muito aspirado, Arte.
Abraços a todos. Até o próximo post.