Quinquagésima postagem! Nem eu acreditava que chegaria a esse número. Além disso, contamos, até o momento de escrita dessa postagem, com 4110 visitas desde julho. É um número muito animador!
Gostaria, portanto, de agradecer a você, leitor, por acompanhar minhas divagações e minhas viagens, enquanto tomamos chá e jogamos baralho. É isso que vale a pena!
Hoje decidi falar sobre um tema muito subjetivo, com consequências objetivas: a escolha do baralho de Tarot que utilizaremos em nosso trabalho. Atualmente, contamos com tantos baralhos que é difícil escolher de maneira objetiva qual seria o "melhor" para nós; sendo assim, a maioria dos autores recomenda a escolha subjetiva, "daquele que mais lhe agradar", ou escolher entre os baralhos ditos clássicos: Marselha, Rider-Waite, Thoth Crowley-Harris, Tarô dos Boêmios (confira a versão da Editora Pensamento [Tarô Adivinhatório] e a da Editora Ícone; existem outras). E nem todas as pessoas se sentem inspiradas a adquirir mais de um. A questão é que cada baralho de Tarot fala de uma maneira diferente acerca das mesmas coisas, dos mesmos conceitos que emergem da observação de determinado Arcano. Para citar um exemplo, recentemente, em um grupo de discussão sobre Tarot, foi lançada a seguinte questão: a mulher do Arcano Maior "A Força" abre, ou fecha, a boca do leão?
O que você acha?
Respondi que a questão era mais complexa. De acordo com o baralho utilizado, inclusive, seria impossível precisar - esse é o caso do Thoth, em que a mulher cavalga a Besta - ou mesmo o gênero do personagem muda, como é o caso do Tarot Mitológico e do 1JJ, onde temos representado Hércules vencendo o Leão de Neméia. Certamente todos os autores buscaram representar a idéia mais próxima que conceberam do Arcano; a visão de tais baralhos complementariza a nossa própria visão do mesmo, que seria limitada pelo acesso a uma só fonte. Poderíamos considerar "errada" tal e qual atribuição, simplesmente por não termos nos familiarizado com ela. “Certo” e “errado” possuem muitos degradées entre si.
Na escolha do baralho, temos duas opções: a opção de irmos do singular para o plural, ou seja, escolhermos nosso baralho, geralmente pela agradabilidade de suas lâminas, assim como a forma de leitura, e depois buscar informações concernentes às cartas - geralmente esse é nosso caminho, quando estamos iniciando nossa trajetória como tarólogos; ou então tentamos, a partir de diversos baralhos, verificar qual seria a representação que mais se aproximaria da realidade da nossa experiência pessoal do Arcano, daí desenvolvendo, com o auxílio de nossa prática pessoal nossa própria interpretação de tal lâmina. Ou seja, sairíamos do geral em direção ao particular. Essa interpretação perpassa a interiorização do significado dos Arcanos, de forma que possamos reconhecer certos "padrões representativos" para além da figura representada, diferenciando as características dadas pelo artista, pelo esotérico encomendante, daquelas que impreterivelmente seriam representadas - seria a busca pelo "feeling" dos criadores do baralho e o reconhecimento, ou não, dessas sensações e sentimentos em nossa própria visão do Arcano, que nos forneceriam elementos para utilizarmos, ou não, tal baralho em nossas práticas. É essa escolha que subjetivamente alguns tarólogos fazem quando mesclam cartas de diversos baralhos em um mesmo deck, ou quando desenvolvem um baralho próprio.
Nenhuma obra de arte é inocente; e o Tarot, sem dúvida, é uma obra de arte – plural. As diversas interpretações de suas alegorias simbólicas são prova viva disso, que seu valor não está sedimentado, mas sempre em revolução, sempre remexido, relido, representado de diversas formas, buscando diversos efeitos, seja mudando a atribuição semântica conforme veremos à frente, seja mudando a localização dentro da estrutura do baralho (no Rider, a Força é o Arcano VIII, entre a Carruagem e o Eremita; No Thoth, ela é o Arcano XI, estando entre a Fortuna e o Pendurado; e no Mitológico, que não numera suas cartas, ela está entre a Temperança e o Eremita), seja alterando elementos da figura para que a lâmina se encaixe dentro do contexto geral norteante da criação do referido baralho. Por exemplo, no caso d'A Força, até que ponto muda-se o sentido da lâmina se trocarmos a mulher por um homem? E se a mulher cavalga o Leão, ao invés de subjugá-lo? E se a carta muda de nome, como é o caso do Thoth ("Lust", traduzido por Luxúria, Tesão ou Volúpia) e do Egípcio Kier (A Persuasão)? E se ela muda de posição, como é o caso do Rider?
Particularmente, prefiro baralhos que me levem a vôos interpretativos, sem muito detalhamento de sua estrutura ou então passíveis de diversas interpretações; assim como o Tarot de Marselha, o Thoth serve-me perfeitamente por isso - diversos livros foram escritos, inclusive por seus criadores, e nenhum deles esgota o tema, antes abrem espaço para que alcemos vôos maiores. Outros são limitados exatamente pelo livro que os acompanha - há uma descrição precisa e minuciosa de seus elementos constitutivos, de forma que é difícil fugir de tais características, já que visam causar um efeito específico gerando uma interpretação específica.
Acredito que isso pode ser evitado com o estudo comparativo entre os diversos baralhos e os diversos estudiosos que nos precederam, para que tenhamos um vocabulário rico, iconografica e semanticamente, que nos permita leituras mais aprofundadas do que aquelas que o livro possui e nas quais muitos se engastalham e se apóiam, sem abrir espaço para novos questionamentos. Não estou dizendo que as cartas mudam de significado - cada carta possui significado único em relação às demais cartas. Digo que o conhecimento de outras fontes nos permite nos aproximarmos cada vez mais do significado intrínseco da carta através dos sinônimos utilizados pelos diversos autores assim como melhora nossa forma de comunicar ao consulente o que estamos Vendo durante a consulta.
Nesse campo, tenho duas sugestões de livros comparativos, que nos permitem verificar, em síntese, essa diferenciação iconográfica e semântica de diversos baralhos que visam culminar na mesma idéia, representante de determinado Arcano: o primeiro é o Desvendando o Tarô: estudo comparado dos tarôs e do baralho cigano, de Patrícia Fernandes (Pallas, 2003), que é muito leve, didático, preciso e claro; a autora buscou satisfazer, com esse livro, as dúvidas que assaltam a todos nós e que a assaltaram no período de sua formação como cartomante. O segundo é do Veet Pramad, Curso de Tarô e seu uso terapêutico (Madras, 2004), que, embora seja focado no Thoth, fala da representação em outros baralhos também, voltados para a interpretação terapêutica dos Arcanos.
Mas, voltando ao motivo do post, reitero que é importantíssimo conhecer, para quem se dedica à Cartomancia - à Arte de divinar através das cartas - diversos baralhos, não só como curiosidade, mas também como forma de compreender outras formas de ver um mesmo campo interpretativo através de outros olhares, formando em nós um olhar mais crítico, mais preciso, mais localizado sobre nosso próprio baralho. Independente do baralho utilizado, se a intuição estiver presente a mensagem que o consulente precisa ouvir virá; contudo, se nos dedicarmos à Tarologia (muito bem definida por Nei Naiff em sua apostila introdutória ao Tarô) precisamos ir além do nosso universo simbólico e expandi-lo em direção aos universos que permeiam outros cartomantes. Sugiro, como um ótimo começo, uma visita ao Guia de Tarô, desenvolvido pelo Giancarlo Schimdt, e as galerias desenvolvidas pela Taroteca, pela Jossana Camilo e pelo próprio Clube do Tarô - no primeiro temos os melhores links para pesquisa sobre as cartas, e nos demais temos diversos baralhos completos para admirar. Talvez assim possamos escolher nosso Tarot pessoal para além de sua "beleza aparente", tentando "homogeneizar" conceitos e sinônimos desenvolvidos para os Arcanos sem nenhum critério prévio.
Um abraço e até o próximo post.
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